Amigo nosso, ao mudar de casa velha para apartamento novo, resolveu vender sua mobília austera e mandar fazer móveis modernos. Pôs um anúncio no jornal: “Vende-se mobília de sala de jantar, estilo Renascença, etc., etc., por 15 mil cruzeiros”.

As pessoas vinham, olhavam, desistiam. Homens magros e aduncos desdenhavam a madeira, o estado de conservação, ofereciam entre 500 a dois mil cruzeiros. Mais de um mês se passou nessa agonia (sem falar nos trotes telefônicos de amigos galhofeiros) e ele foi abaixando os preços e as esperanças.

Por fim, apareceu um negociante de móveis que ofereceu seis mil cruzeiros. Está bem. Se ninguém der mais, amanhã o senhor pode vir buscar a mobília. Na tarde do mesmo dia, no entanto, apareceu uma senhora tímida. Examinou os móveis com uma admiração comovente. Perguntou o preço. “Qualquer coisa que a senhora der acima de seis mil cruzeiros”. A mulher caiu em abatimento:

— O senhor imagina meu azar. Ganho pouco e tenho família. O ideal da minha vida foi sempre comprar lá pra casa uma mobília estilo Renascença. Não sabia bem o que era isso, mas imaginava direitinho como o senhor tem aqui: essas flores, essa madeira escura, esses leões... Pois bem: juntei dinheiro durante muitos anos para comprar a mobília e agora, que podia realizar meu ideal, faltam-me 500. Que se há de fazer? A vida é assim mesmo.

Nosso amigo, homem de sentimentos finos, não teve dúvida em perder quinhentos cruzeiros em troca da alegria de satisfazer o ideal de alguém.

A senhora, comovida quase até às lágrimas, pagou ali mesmo, pagou humildemente, febrilmente, em notas de cinco, de dez, de 20 cruzeiros. Informada em seguida da combinação prévia com o comerciante, saiu dizendo por aí que “aquele homem é um santo”.

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O pai de um conhecido nosso, advogado em Alagoas, conseguiu salvar da cadeia um criminoso de morte. Em liberdade, foi procurado pelo réu, um pobre caboclo com um ar assustado e manso:

— Doutô, eu vim aqui dizer para o sinhô a minha gratidão. O sinhô sabe que eu sou pobre e não posso pagar dinheiro.

— Não tem importância, Joaquim, eu apenas cumpri meu dever.

— Ah, seu doutô, mas eu queria pagar de alguma forma.

— Oh, não se incomode, rapaz, esqueça isso.

— Mas, doutô, eu queria que o sinhô me desse uma lista de seus inimigo.

— Meus inimigos? Para quê?

— Eu queria fazê uma supresazinha para o sinhô. Faço sirviço limpo, doutô.

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Amigo nosso, entendido de jazz, ao assistir a uma exibição de Tommy Dorsey em uma boate, fez circular entre os componentes da orquestra uma fotografia de Louis Armstrong. Os rapazes americanos sorriam com um bom humor amarelo.

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Durante um jogo de futebol na Holanda, um coelho apareceu misteriosamente no campo, pôs-se a correr de um lado para outro, prejudicando a partida. Um dos jogadores, no entanto, conseguiu matá-lo, mas foi imediatamente preso e multado “por estar caçando sem licença”.

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