Conheço uma romancista. Anda pelos 20 anos e não se preocupa com a literatura. Vive como vive uma jovem, trabalha em uma repartição, faz movimento de amigas, namoro, telefone.

Não sei como lhe chegou a crise literária. Um anjo a tocou de repente. Escrito o primeiro capítulo, não esmoreceu mais.

É o romance o seu meio de expressão. Escreveu-os em série, vários, enormes e palpitantes.

E nunca publicou nada. Nisso talvez esteja o segredo da constância de seu entusiasmo. Bárbara não conhece os prazeres e as tristezas do livro impresso. Não deu a nenhum crítico o gosto de esmiuçar-lhe mancadas de estilo, exageros de situações, fraquezas da composição.

Também nunca se interessou pela opinião de um literato sobre o que ela faz, ao contrário, defende suas histórias de quaisquer olhos profissionais ou parecidos com isso. Eu, que sou seu amigo, nada consegui: tentei a persuasão, o elogio prévio, a distração. Ela guarda seus originais a sete chaves. O singular é que não os esconde de todos. Tem seus leitores, melhor, leitoras, amoráveis leitoras.

Bárbara tem muitas amigas. A primeira vez que começou a escrever um enredo, foram as amigas as confidentes naturais de sua iniciação literária. Leram um capítulo e gostaram, gostaram muito, sinceramente. Bárbara escreveu então o segundo capítulo. As situações se complicavam, o interesse aumentava. Bárbara prosseguiu e entregou-se ao romance. As leitoras se multiplicavam. Esquecidas companheiras de colégio vinham de bairros distantes ouvir a leitura inicial de um novo livro. Os manuscritos corriam de mão em mão. O telefone funcionava desesperado. Alba queria saber se o dr. Fortes morria mesmo. Pedia clemência para personagem tão simpática. “Não adianta, Alba, ele tem que morrer”. “Por que, minha filha”? — “Não sei porque, mas sinto que ele tem de morrer”.

Depois era Teresa, ansiosa pelo capítulo seguinte, informando-se de futuros acontecimentos.

A mãe de Ângela queria ler O médico de olhos cinzentos.  A tia de Laura achou um fenômeno O obscuro destino de Marly.

Bárbara conquistou fulminantemente o seu público. As moças choravam, coravam muito, boas lágrimas românticas já quase sem curso em nosso tempo.

Por fim, a avó de Lúcia, ex-poetisa, afirmou que Bárbara era um gênio. E as mocinhas respiraram com a glória da amiga.

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