O carioca (homem que mora no Rio) é de uma imaginação esfuziante. Ao contrário das pessoas de outras cidades, de imaginação mortiça, escravos dos usos habituais de todas as coisas, o carioca sabe empregar de maneira mais variada os mais vulgares objetos.
A buzina, por exemplo. No mundo inteiro, a buzina tem uso moderado, mesquinho e ridículo. No Rio, a buzina é um instrumento maravilhoso e através dela o carioca exerce algumas funções humanas essenciais e muitas fantasias.
O primeiro uso da buzina é naturalmente o amor. A buzina é impressionantemente útil para chamar namorada. O rapaz se põe com o seu automóvel debaixo da janela da amada, que pode ser em um 12° andar e, enquanto a moça se veste ou se penteia, começa a buzinar liricamente lá em baixo, como um pastor tocando flauta à sua pastora, ou um pombo arrulhando à sua amiga.
Se o amor é a mais poética das funções da buzina, não é a mais vigorosa. Outros sentimentos se exprimem romanticamente com a buzina e também estados d’alma encontrados diariamente na seção astrológica do prof. Mirakoff. Assim, falam as buzinas do Rio de sucessos financeiros, de irritação, de mal-estar hepático, dor nos rins, desfavorabilidades gerais, indigestão, briga com a namorada, êxitos sociais, etc. Um ouvido fino e hábil poderia distinguir essas emoções e esses sucessos ouvindo os motoristas que desfilam e buzinam pela avenida Atlântica.
Uma das funções mais primárias da buzina é econômica, isto é, antes de tudo o homem é um animal que buzina a fim de demonstrar que possui um carro. Regra geral, quão mais dispendioso é esse carro, mais delirante e agudamente buzina o seu dono. Quando uma furreca (ou lata-velha) buzina excessivamente, o Cadillac olha para ela com um desprezo que lhe põe a nu o ridículo.
A buzina tem igualmente um uso democrático. O homem que buzina está afirmando o direito de buzinar. Eu buzino e o presidente da república não tem nada com isso – eis o raciocínio dos que buzinam por motivos políticos. São na maioria partidários do brigadeiro Eduardo Gomes e pagam mensalidade na U. D. N.
Há um gênero um pouco semelhante com o precedente, são os que buzinam contra a Prefeitura. Por exemplo: o homem vai tocando por uma rua, vê um buraco, e dá uma buzinada lancinante. A buzina, neste caso, quer dizer: “O Rio nunca teve um prefeito tão desleixado”!
Um dos usos mais curiosos da buzina é puramente lúdico, ou seja, infantil. São as famosas pessoas que estão sempre de bom humor. Buzinam de brincadeira, buzinam por alegria, chegam a compor as notas mais simples de canções populares.
Não fosse alongar demais esta crônica, examinaríamos outros usos da buzina no Rio de Janeiro. Mostraríamos o lado físico da buzina, o lado gaiato, suas relações com o DASP, com a estética, apontaríamos os diversos desdobramentos filosóficos da buzina (inclusive o existencialista), diríamos da influência da buzina nos crimes inexplicáveis, estudaríamos a conexão entre a buzina e os analgésicos, etc., etc.