Conheci-o por acaso e sem apresentação; esperávamos em um guichê de Ministério que um funcionário retornasse de seu inefável, interminável lanche. Disse-me que era professor em ginásio de subúrbio e se chamava Conceição, José da Conceição. A vida anda pela hora da morte, anda. Não era um temperamento ambicioso, não, mas, já em idade canônica, com essa carestia horrível, é o próprio organismo que destila novas resistências. Por que dava o duro para sustentar a família, dezenas de aulas por semanas, fora uns bicos dispersivos e quase nada rendosos. Mas o corpo reage e se adapta às adversidades, mesmo um corpo velho e gasto como o dele.
Tomou o ar pedagógico e explicou-me que há no organismo uma fadiga toda especial chamada cinetofilática, c’est à dire, o cansaço é uma intoxicação e, quando nos sentimos já incapazes de fazer o mínimo esforço, isso é apenas um aviso premonitório de que estão prestes a esgotar-se as nossas reservas de energia; ocorra, entretanto, uma descarga emocional qualquer a esse ponto aparentemente culminante da fadiga, e o corpo recolhe os restos de energia, e é capaz de erguer-se árdego e forte por bom espaço de tempo.
“Comigo aconteceu há pouco um exemplo típico do que estou lhe dizendo” ― continuou ele. “Vinha de um escritório no edifício da Noite, onde tenho um desses bicos, e desci dezoito andares pela escada, porque os elevadores estavam paralisados. Cheguei lá embaixo nas últimas, com as pernas trêmulas, respiração opressa, taquicardia.... Nisso, me encontro com um colega, que me pergunta: Como é, recebeu a gratificação? Que gratificação? O diretor resolveu dar uma gratificação de cinco contos! O quê? Foi como se eu voltasse à mocidade. Subi de novo os degraus, aos dois, aos três, subi dezoito andares sem dar de mim, sem lembrar-me de mim. Eu estava necessitadíssimo daquele dinheiro. Bem, é claro que no dia seguinte eu estava todo moído, mas tive essa ocasião de experimentar em mim mesmo um exemplo perfeito de fadiga cinetofilática.... Ah, em um tempo como esse, se não é a adaptação do organismo, estaríamos todos perdidos. Completamente perdidos.
*
Um jornal francês conta o seguinte “Primeiro Plano”: uma senhora apareceu em uma companhia de aviação, pela primeira vez em sua vida.
― Queria reservar uma passagem para Nova Iorque, dia 18 de maio.
O empregado telefona ao escritório central.
― Pois não, madame. Há ainda alguns lugares. Por exemplo, a senhora aceitaria um lugar para o lado de fora, em cima da asa?
Silêncio, embaraçado silêncio. Depois, ela fala em um tom que pretende ser persuasivo:
― Me diga uma coisa: o senhor não seria capaz de me arranjar um lugar dentro do avião?