O silêncio é a boa educação das cidades. O Rio é uma cidade grosseira porque é barulhenta.
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A morte, pelo menos, deve ser silenciosa. Se os residentes do São João Batista ouvem o tráfego de Botafogo, morrer é uma coisa monstruosa. Com essas e outras convicções neurastênicas, acabei com uma certa simpatia pelo vácuo, cujo horror, seguramente, é a causa do estrabismo de Jean-Paul Sartre.
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Outra certeza minha é que a buzina produz o câncer. É uma certeza intuitiva e arbitrária; em matéria de câncer, no entanto, sem desdoiro perante os sábios, qualquer leigo pode sustentar as suas ignorâncias particulares.
Já se pensou que o câncer fosse produzido pela gasolina queimada.... Andaram nos subúrbios da verdade: a gasolina de fato indica apenas a presença do automóvel; este aponta a buzina; a buzina dá uma lancetada sonora que entra pelo ouvido, corre o corpo e faz um buraco.
Se você equacionar a mortalidade pelo câncer nos Estados Unidos e o número médio de buzinadas que o norte-americano recebe, você terá a quota de buzinadas a que o nosso organismo é capaz de resistir.
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Quanto à úlcera, uma campainha é suficiente.
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Entre a vaca leiteira do campo e a “vaca leiteira” da cidade há apenas uma relação metonímica: aquela muge honestamente e dá aos homens um leite honesto; a outra urra estupidamente e vende leite falsificado. Esse caminhão da CCL é um duplo insulto à vaca.
O Leblon já não presta. Os lotações o empestaram de ruídos e de cheiro de gasolina; um botequim chamado “Astória” faz algazarra por um bairro inteiro.
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Segundo um amigo meu, um católico de antenas místicas, o Pai dorme no Paraíso, o Espírito Santo e o Filho trabalham pela redenção da torpe humanidade. Mas não se iludam: o que ampara o universo é o silêncio do Pai, o seu sono profundo.
Ainda segundo este amigo, uma criança dormindo é uma televisão de Deus. Precisamos falar baixo, pisar suave, enquanto ela dorme ligada por fios invisíveis ao sono puro do Pai.
O pai que não dorme se enche de fúria e de desordem. Se ele for um cronista, escreverá no dia seguinte uma crônica amargurada, hermética e intragável.
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É verdade que Deus também acordou algumas vezes no Antigo Testamento. Mas foi para castigar os homens. E como? Aos berros. Está em Jeremias: “O Senhor rugirá desde o alto e desde a sua santa morada fará ouvir a sua voz; rugirá fortemente contra o lugar mesmo de sua glória”.
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Um homem vai andando por uma rua e pode ir pensando em muitas coisas: na amada, no sangue derramado na Coréia, no sr. Getúlio Vargas, em um par de botas. Quando, no entanto, uma buzina lhe fere os ouvidos, ele não pensa em nada, ele tem que segurar o homem da caverna que procura sair de dentro dele e esganar o motorista.
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Se eu fosse presidente da república, nomearia o coronel Etchegoyen para acabar com a barulheira infernal desta cidade.