Quando voltei ao colégio interno, para o segundo ano ginasial, voltei sem lágrimas. A paciência da melancolia faz o homem duro e mau. A beleza da região agravava a nossa nostalgia, porque a criança sofre de uma timidez depressiva diante das grandes paisagens. O prédio, outrora quartel imperial, isolado no alto de um morro, talvez estimulasse a virilidade dos antigos dragões d’El-Rei. Era um lugar áspero, bom para soldados de cavalaria. Para nós, pobres almas indecisas, a solidão do colégio apenas vinha revelar precocemente tudo que era em nós um desapontamento contra a vida.
O que é ruim na infância é a incompreensão dos mais velhos. Os mais velhos costumam ser mais infelizes e sofrem de tédio às perguntas, às perplexidades infantis. Decidem de nosso destino com palavras lacônicas, distanciam-se no mesmo silêncio que Deus mantém para com seus filhos. Há uma razão para tudo; o horror é não sabermos distingui-la e só encontrarmos alívio na resignação.
Era com ressentimento que respondíamos a naturalidade com que os mais velhos nos viam seguir para o colégio, onde parecíamos expiar um crime futuro, onde, disciplinados com dureza, devíamos rezar e pedir perdão pelos pecados que ainda não tínhamos cometido.
Era triste voltar ao colégio, às infindáveis horas de estudo, às infindáveis missas cantadas, ao infindável ano letivo. Voltávamos de alma escura, cansada, envelhecida. Oradores bobocas vinham dizer-nos que aqueles eram os dias mais felizes de nossa vida. Fremíamos de raiva. Pregadores terrivelmente simplórios nos ameaçavam com os futuros caminhos de pedra. Fremíamos de desencanto. Mais do que isso, o inferno se instalava em nós para sempre, em uma doutrinação diária, de todos os momentos.
Guardo misteriosas saudades do colégio, mas não posso ter nenhum sentimento de gratidão por essa pedagogia terrorista. Vou-me sentindo cada vez mais claramente preso àquele tempo, mas é porque as decepções da idade madura já estavam contidas nele. Mais do que uma lembrança, há em mim o sentimento do colégio, mas é um sentimento de que as férias vão terminar e eu vou voltar ao infindável.
Não me esqueci de nada. Guardo a bondade de alguns professores, a vaidade e o ridículo de outros, o mistério de “seu” Vicente, esperdiçando em um silêncio de bicho seu conhecimento de muitas línguas. Guardo o sorriso de conivência feliz entre os colegas, e também de vingança contra o assistente, quando a primeira horda de bichinhos de luz, invadindo o estudo da noite, anunciava as férias. Guardo minhas primeiras conversas literárias com Mário Lúcio Brandão: achávamos uma injustiça Abílio Barreto não pertencer à Academia Brasileira de Letras.
Suave era o perfume dos eucaliptos, suave era o ar doce, eram as laranjas, as ameixas, as jabuticabas, frescas eram as águas nascentes, ásperos e belos os caminhos na montanha. Carrego comigo tudo isso como um casarão carrega o fantasma de seus antigos moradores.
Eu já ando me sentindo um casarão, um casarão de trinta janelas desbotadas...