Dispusesse de tempo, frequentaria mais os sebos da cidade. Não à procura de obras raras, mas para fazer uma boa coleção de livros comuns, livros que ninguém leu, anônimos, simples, que são o contato real com a sensibilidade popular e a sua culturinha pitoresca e lírica.
Como um pequeno volume que comprei ontem, por dois cruzeiros e 50, em uma liquidação. Chama-se Paquetá o livro e Camilo Paraguassú o autor. Edição de 1934.
O subtítulo diz que se trata de um “poemeto descritivo”. Há desenhos do autor e fotografias de Newton Paraguassú, talvez filho do autor. Na primeira página já se revela o amor regionalista do poeta: “Ao povo carioca, com toda a cortesia e querença”. A página seguinte traz uma dedicatória longa: “Homenagem à memória do exmo. sr. Marechal José Alípio de Macedo da Fontoura Costallat, DD. Comandante, que foi, do Colégio Militar do Rio de Janeiro, pelo muito que estimou a “Pérola da Guanabara”.
Vem depois uma epígrafe de Pethion de Vilar: “Nem tudo se submete às condições simétricas:/ Dores morais não têm formas geométricas”.
Segue-se um aviso do autor “a quem ler”:
“Se a rima é pobre, que importa,/ Se o meu cantar não tem lei ?.../ Eu penso como Deus quer/ E digo como pensei./ Só o que é simples é belo!/ Só o que é belo me encanta!/ Preso à forma, o sentimento/ Se amortece e se aquebranta!”
E começa o poemeto. O autor nos convida para tomar um barco e seguir “a uma terra de amor, de graça e de magia”.
O barco passa primeiro por Niterói, “a mimosa”, embora ali não seja “a terra divina e rica, onde te quero levar”.
O barco prossegue viagem. As paisagens se sucedem: “montanhas de curvas doces, formando longos regaços”. Vem uma explicação do Corcovado: “O homem do Brasil foi meditando,/ Lutando!/ Trabalhando;/ Se esforçando!.../ E, assim surgiu, no alto do Corcovado,/ A imagem do Cristo imaculado!”.
Continua o barco, ansioso para chegar à terra “onde os jovens namorados, mais desejam namorar”. Passamos por pássaros, ilhotas, coqueiros, “penedos que parecem brinquedos”, luar...
E o autor nos mostra a terra prometida: “Paquetá!... Terra de amores,/ De frutos, de luz!, de flores,/ De modestos pescadores/ Que às noites andam no mar”.
O vate se julga abaixo de seu assunto: “Não são meus versos bobos, sem poesia,/ Não é meu verbo fraco e sem fulgor/ Que ousam dizer do encanto e da magia/ Da terra que é beleza e é esplendor!” E adverte ainda mais: “Nem sempre o canto de quem canta é lindo”.
Seu amor à ilhota é total e absoluto: “E Paquetá pequenina,/ De beleza sem igual,/ É a porção mais divina/ Do Distrito Federal!”
Vem uma descrição topográfica, em que se fala com termos de entusiasmo pela Ilha dos Lobos, a Covanca, o Catimbau, Lameirão, São Roque, Moreninha, Brocoió, etc. O autor se refere especialmente apenas a uma dos “muitos mil contos de amor” que existem nessas praias: “Toda moça brasileira,/ Conhece, digo sem medo/ A história da Moreninha/ De Manoel de Macedo”.
Passa depois à descrição das árvores, mangueira, tamarineiro, fruta-pão, “mas que linda laranjeira”, pitangueira, abacateiro, cajazeiro, aroeira, tangerineira, e flores, quaresmas, glicínias, antigônia, que sei eu!
Quando os passageiros desembarcam em Paquetá suas mãos se agitam de alegria. “Os cavalos (dos carros) já conhecem as ruas e os caminhos. Os boleeiros não batem, não fustigam, para levá-los às casas direitinhos”.
Há também reflexões econômicas, antigamente as canoas vinham “cheias de verdura e de mil peixes”, mas... “mas os impostos de agora.../ E a ambição desmedida.../ Deixam a praia sem barcos/ Como uma casa sem vida”.
“Vista de Paquetá, a lua é linda!” Porque, agora, anoiteceu. A lua começa a dominar o poema e chega a “inspirar amores mil aos vegetais!”. A lua “faz amar, faz dormir, faz sentir, faz sonhar, faz mentir, faz chorar”.
A musa do poeta, “embriagada de grandeza tanta”, cambaleia. O poeta nos dá um manso conselho: “Quando a mágoa ferir-te em teu caminho/ Na existência falaz, tão tormentosa/ Procura Paquetá: terás um ninho/ Na doçura da ilha graciosa”.