Se há coisa que me emociona desde a minha infância é um sujeito jogar bem futebol. Foi feliz que saí domingo do Maracanã, a rever no Cineac da memória as jogadas incríveis de Zizinho, a malemolência de suas fintas de corpo, seus passes precisos, sua plasticidade dentro do campo.

Eram dois irmãos no automóvel, Millor e Hélio, e eu ‒ resolvemos dar um giro pelo subúrbio. No Méier, Millor levou-me para ver a famosa Universidade, onde ele se formou aos doze anos de idade, no curso primário de uma professora cujo nome não me lembro mais.

Aos poucos o subúrbio vai se mostrando em seu lirismo um pouco lento: casinhas térreas, moças na janela, homens de pijama, mulheres gordas em cadeiras de vime pelas calçadas. O subúrbio tem um mistério e não sou eu, homem de Minas, a desvendá-lo. Mas me sinto também no direito de andar nos arrabaldes da poesia suburbana, com os seus jarros de flores dentro das casas, as toalhas alvas, cães enormes guardando as portas, e lá dentro as vidas que vão sendo vividas devagar, com dificuldade e alguma tristeza. Toda vez que passa um bonde a gente pensa na lentidão do subúrbio. E quando passa um trem, revestido de homens-mosca, do lado de fora, a gente pensa no heroísmo e na teimosia dos subúrbios.

Passamos em Vila-Isabel e lembramos de Noel Rosa ‒ é claro, E Lins de Vasconcelos, Cabuçu, Sampaio, Rocha, Riachuelo... O dia acaba de repente, o céu escurece e deixa cair uma chuvinha à toa. À porta de cinemas coloridos, as luzes brilham com uma melancolia que tem seguramente dez anos, quando pela primeira vez víamos a grande cidade, inexpugnável e dura. Dentro desse subúrbio poético vai aparecendo um outro real, o subúrbio abandonado pela Prefeitura. O automóvel come pedras na rua esburacada e alguém dentro do carro dá o sinal de desistência: 

‒ Vamos embora para Copacabana...

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