A moça era bolsista em Paris. Contou-me que uma de suas mais estranhas aventuras deu-se uma vez em que, por motivos também estranhos, teve de fazer parte de um jantar de congraçamento entre médicos ginecologistas. Os velhinhos imemoriais gostaram dela e a fizeram falar. Falou sobre Sartre, sobre a bomba atômica, sobre o museu de cera, sobre o Brasil. Eles escutavam boquiabertos – porque, diante do absurdo daquele jantar, deu em minha amiga uma irresistível vontade de dizer coisas também absurdas. Sartre era uma besta. Ela estava absolutamente convencida de que uma bomba destruiria Paris. A condução no Brasil se fazia por meio de elefantes.
Terminado o jantar, um dos ginecologistas, de seguramente 80 e muitos anos, a convidou para ir a uma boate. Ela aceitou. Tomaram um táxi. No caminho, o velhinho segurou a mão dela. Não dançariam na boate. “Eu só tenho uma perna”. Ela olhou: ele tinha duas pernas. Ele explicou que uma perna era de borracha, em substituição à autêntica, que ficara em Verdun, na guerra de 14. Tinha várias condecorações, a Legião de Honra, etc.. Sua vida, uma tragédia. Casara-se com uma moça linda e formidável, e a surpreendeu um dia – há 60 anos – em flagrante de adultério.
O táxi parou à porta de uma boate. Lá dentro pesava justamente aquela hora neutra e morna em que os boêmios já não sabem mais por que são boêmios, e se deixam fatigados, vazios, a contemplar a solidão de suas vidas.
Quando assomaram à porta, uma velhinha de cabelos brancos, cigarro no canto da boca, resmungava no piano uma canção antiga. Ao dar com eles, fez um ar de espanto:
– Mon vieux! On m’a dit que tu étais mort!
O velhinho nem mesmo chegou a sorrir:
– Mais non! C’était mon cousin.
Havia 52 anos que ele não se encontrava com a esposa infiel.