Sexta-feira. Chegou em casa e viu que o seu lar era bom. A mulher carinhosa, a cozinheira no seu posto, a poltrona confortável. Conversou um quarto de hora com as crianças e levou-as à cama. As crianças dormiram, o jantar estava bom, a noite era estrelada. Essa paz, que ele preservava acima de tudo, esteve a ponto de ser ameaçada quando sua mulher perguntou:

— Há algum filme bom por aí? 

Ele sabia que essa pergunta declanchava fatalidades que o levariam submisso e triste a ver uma fita qualquer, ruim, quase sempre são ruins. Mas sentia-se àquela noite, na defesa da sua tranquilidade, munido de uma força excepcional.

— Não, meu bem. Hoje não irei ao cinema nem a tiro. Nem que fosse filme dos irmãos Marx! Vou meter meu pijaminha, ler um pouco e cair na cama. Trabalhei muito, estou exausto, amanhã tenho que levantar cedo. Tá bem?

A mulher protestou, resignada: 

— Tá bem.

Ei-lo agora, no pijama de sua burguesia deliberada, lendo à luz da lâmpada, um livro de bolso (agricultura é a sua mania) enquanto a mulher folheia uma revista de modas.

— O que há aí no vizinho que tem uma porção de automóveis na porta. Morreu alguém?

— Não diga assim, meu amor, corrige a mulher. Parece que é uma festa.

— Festa! Mas logo hoje! 

Era uma festa, uma grande festa.

Já passava de meia-noite, e ele não podia dormir com o barulho das conversas, das risadas, da vitrola.

Às duas horas, ele não aguentou mais e ligou o telefone.

— O senhor não acha que já é muito tarde para uma festa?

— A noite é uma criança, velhinho, respondeu uma voz alegre do outro lado.

— Mas o senhor vai compreender que eu não posso dormir com um barulho desses.

— Ótimo. Por que não vem também até aqui?

— Vá para o diabo que o carregue.

Desligou o aparelho, furioso. Sujeito atrevido, falta de urbanidade. Deixou-se cair na poltrona e ficou a mastigar sua raiva. Cinco minutos depois, seu rosto se iluminava à luz de uma ideia genial. Foi até o escritório, de lá trouxe uma caixa, ligou-a a uma tomada, esticou até a janela um fio que tinha um microfone na extremidade; e ficou, feliz, a gravar a algazarra do vizinho. Passou então a torcer para que fizessem muito barulho, que se estourassem de rir, que a vitrola explodisse.

Cinco dias depois, ele se levantou às duas da madrugada, acendeu todas as luzes da casa e pôs a tocar no gravador a festa do vizinho, a todo volume, perto da janela.

Não tardou que o vizinho telefonasse.

— O senhor não reclamou outro dia? Como é que agora está fazendo mais barulho do que em uma gafieira?

— Gafieira é sua casa, ouviu? Preste atenção e vai ver que isso é a porcaria daquela festa que o senhor deu aí...

— Como!? 

— Escute, palhaço. E vai ficar ouvindo isso até às cinco horas da manhã. Palhaço!

paulo-mendes-campos
x
- +