Quem me conta a história é hoje general. Em 1930, era tenente no 12º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte. Aí conheceu um soldado raso, tão profundamente preto que tinha o apelido de Caçarola, isto é, era da cor do fundo de uma caçarola bem usada. Caçarola era um preto engraçado e os oficiais gostavam dele.

Em 1952, o atual general, servindo então como coronel no Ministério da Guerra, passando, um dia, pela rua da Alfândega reconheceu em um vendedor de pentes o antigo corneteiro Caçarola. O mesmo, não tinha envelhecido nada. Abordou-o, recebido com grande efusão lírica e perguntou-lhe pela sua vida. Uma lástima. Desde que dera baixa do Exército não acertara o pé na vida. Experimentara um punhado de profissões e mal fazia para o feijão com arroz de cada dia. E não tinha um terno branco para conquistar as morenas, as morenas que sempre foram a perdição de Caçarola.

— Passe amanhã no Ministério que vou ver se consigo arranjar alguma coisa pra você, Caçarola.

O coronel contou o episódio a alguns colegas de arma, que decidiram resolver a situação do Caçarola da seguinte maneira: eles se cotizariam e lhe dariam um ordenado mensal; o trabalho de Caçarola seria ficar no Ministério, prestando aos oficiais pequenos serviços, buscando encomendas, pagando contas, pondo cartas no correio, etc. 

Caçarola começou a trabalhar com entusiasmo. Com o dinheiro que recebeu no primeiro mês, comprou um terno branco. Tudo ia muito bem até que, um dia, Caçarola não apareceu. No dia seguinte, ao apresentar-se no Ministério, o coronel lhe chama a atenção:

— Caçarola você está satisfeito com o emprego?

— Muito, seu coronel. 

— Então, vamos proceder direito. Nada de “saltar”. Ontem, por exemplo, por que você não apareceu aqui?

— Coronel, eu vinha muito bem intencionado, que não tenho medo de um serviço sopa como essa mamata que o senhor me arranjou. Mas quando atravessei o campo de Sant’Ana, encontrei com uma negra que dava gosto “seu” coronel. A bichinha deu bola e eu não resisti. O senhor pode me mandar embora, que tá no direito. Mas, que eu passei uma tarde boa, passei.

O coronel, fingindo-se severo:

— Para onde você levou essa vagabunda?

— Vagabunda, não, “seu” coronel, com o perdão da palavra. Era pretinha que não desmerecia ninguém. Eu levei ela pra Quinta da Boa Vista. E o senhor sabe o que ela me disse? “Eh, Caçarola, eu nunca pensei que o Exército fosse tão gostoso”!

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