Estou deitado sobre a areia da praia. Nasce um dia novo, fresco e frágil como a fruta. Aves migradoras passam gritando metálicas um nome, o nome desse dia que surge sem que eu o compreenda. Como não entendo tantos sinais esparsos no mundo. Como não entendo o pássaro, o tempo, o coração do homem.

Vivo sem razão, como faz o vento, apenas curioso de todos os desastres, fluindo como a luz. Sou o escombro de mim mesmo, ruínas, mas que das ruínas de mim se encontre, um dia, o traço visível e com ele se reconstitua a figura, a coluna do que procurei pensar, a fictícia harmonia. Que esse ou aquele circunscreva o não dito.

É confuso o nascimento de um dia. Se a terra vê o fogo das flores, mais desolado se vê o solitário, mais pobre o pensamento do sábio, mais incompetentes todas as maneiras de sentir e dizer. Ando à roda do mar sem falar a linguagem do mar. Ando à roda de um dia sem falar a linguagem de um dia. Ando à roda do amor sem falar a linguagem de amor. Entretanto, fecharei os olhos, serei tímido para que as vozes me adivinhem. Deixarei minha alma a dormir e ela mesma fale. Meus movimentos nesta praia e nesta vida sejam poucos e leves e não acordem seus sonhos semiabertos. Deixar cantar os pássaros de ouro. Procurar um sossego, mudar de caminho. Para que minha língua se aproxime do fogo, meus pés da água, a mão direita do abismo à direita, a mão esquerda do abismo à esquerda.

Estar no meio da vida e nem mesmo saber decidir de minhas emoções! Esse dia não é ainda a paz, nem o degrau em que tropeço, mas um sopro que me inclina, sofrendo, embarcação leve. Só posso dizer à madrugada: és minha irmã e és louca. Teu beijo frio é como a pedra, tua presença é a jovem que se hospedou em nossa casa, e a vontade de tocar o seu cabelo não deixa adormecer o coração.

Só posso dizer: meu coração é como o coração dos que se deitam em campo aberto: é manso. Como o coração dos que trabalham no silêncio das grandes bibliotecas e imita a sensibilidade das águas. Como o coração de guerreiros falidos e que têm sede das praias mais ásperas. Como o coração de quem fica no exílio e desaprende e, à hora das lâmpadas, dorme propulsionado pelos ventos da barra. O coração de quem frequenta as caixas de teatro e gostam de sentir o odor dos telões ainda frescos, com uma fibra impenetrável de devaneio. Igual a meu devaneio.

Estou ajoelhado sobre a areia da praia e já me assusta o passo dos desastres futuros. Os pássaros sumiram. Estou só, indestinado, mas conservo em meus olhos a casta lembrança da aurora.

paulo-mendes-campos
x
- +