Cícero Dias ao volante de seu automóvel (“che bella machina!” ― diziam), seguíamos os dois na manhã de verão por uma estrada italiana, entre Florença e Pisa. O ar fino e claro enriquecendo as tonalidades amáveis da terra toscana. À beira da estrada, os camponeses se entregavam ao doce doppo lavoro.

Sentimos fome. Resolvemos almoçar em um restaurante singelo e isolado na estrada. A boa grappa para acertar o apetite. O “vino rosso ed subito” que o pintor nunca deixava de pedir antes da macarronada.

O almoço foi servido debaixo de um caramanchão coberto de uma trepadeira florida. O anjo renascentista que nos servia entre sorrisos atendia pelo suave nome de Elsa. “Nome mucho bonito”, galanteou Cícero. “Molto brutto”, disse a moça com toda a sinceridade. “Non”, voltava Cícero Dias, “nada bruto, mucho delicado”. Como o diálogo se tornasse impossível, sorrisos profusos eram oferecidos de parte a parte.

Ao lado de nossa mesa, espojado em uma pequena amurada, rosto voltado para o sol, estava um homem de uns quarenta anos. Abriu os olhos, espreguiçou-se e perguntou-nos com viva alegria se estávamos gostando da comida. Disse-nos que era o proprietário do pequeno restaurante, minto, que era um dos proprietários. O sócio, seu irmão, naquele momento estava na Inglaterra, a trabalhar em uma mina de carvão. Os dois irmãos entendiam do assunto. A renda obtida com o restaurante era pequena, não dava para custear a educação dos filhos. Nem mesmo pagava a pena mantê-lo, mas gostavam do lugar, não podiam deixá-lo. Para resolver o problema, os dois irmãos haviam combinado e estavam executando o seguinte plano: durante seis meses, um ia para a Inglaterra trabalhar e mandar dinheiro. O outro ficava ali deitado sobre a amurada do caramanchão a conversar com os fregueses, sorrindo, tomando sol. Nos outros seis meses, trocavam. Que fazer? A vida é bela e não devemos nos matar no trabalho!

 

Nota: Título atribuído por Humberto Werneck à crônica identificada na base de dados da instituição como “Cícero Dias ao volante...". 

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