São os versos iniciais...
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
São os versos iniciais de um poema de Carlos Drummond de Andrade que, aos poucos, vai se tornando popular, como populares foram há poucas dezenas de anos “As pombas”, de Raimundo Correia, “A vingança da porta”, de Alberto de Oliveira, “Ouvir estrelas”, de Olavo Bilac, “O lenço”, de Guimarães Passos.
Os “rapazes de 22” começam a ser aceitos e lidos por uma burguesia que os repudiou há trinta anos com expansões de raiva e ironia. A burguesia é muito lenta na assimilação de novos valores artísticos e literários. É preciso que um grande volume de publicidade jornalística e falada a convença lentamente de que as novidades literárias e artísticas não são gatos impingidos como lebres.
Acredito que as classes mais simples seriam mais rápidas e mais hábeis do que as classes mais complicadas na aceitação desses movimentos renovadores que às vezes ocorrem em todas as artes... Seriam se, pelo menos, contássemos com um índice razoável de alfabetização. Entretanto, como a grande massa do povo está entregue no Brasil a seu próprio destino, o que acontece é o seguinte: os livros são publicados inicialmente para a leitura dos próprios escritores, em tiragens limitadas, enquanto os editores esperam pacientemente que as elites alfabetizadas se disponham ocasionalmente a lê-los, quando os reeditam, então, em maior escala.
Já contei há bastante tempo um episódio pitoresco: há uns oito anos, eu morava em um quarto, alugado no apartamento de uma família, em Copacabana. Um dia, dei falta das Poesias de Carlos Drummond de Andrade. A dona da casa procurou o volume por toda a parte e acabou, para seu espanto e indignação, por encontrá-lo no quarto da empregada, essa, uma meninota espandongada, de uns 17 anos. “Pois imagine o senhor, me disse a senhoria, que a diabinha da Jandira estava copiando as poesias do livro. O senhor já viu só”!
Quis ver. E vi em um caderno barato, desses que se chamam caderno mesmo, e têm um passarinho pousado na letra C, vários poemas de Drummond copiados a lápis pela caligrafia semialfabetizada de Jandira. Que dias depois foi despedida e me furtou, para meu prazer e para a maior glória de poesia, A rosa do povo.
“José” se encontrava entre os versos preferidos de Jandira. O “José” que Décio Escobar, acusado de assassinato, recitou ao microfone, em plena rua, logo depois de ter ouvido do juiz a sua absolvição. O “José” que vem aparecendo em crônicas e até mesmo nas páginas esportivas dos jornais.
O último sinal da popularidade de “José” acabo de ver agora: uma paródia, que é o crisma da carreira popular de um poema. Intitula-se “E agora, Zézé?” foi publicado no Binômio, e termina com os seguintes versos:
Zézé e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você cantasse,
Rapsódia húngara,
Se você sumisse,
se você morresse,
mas você não morre,
você é de morte, Zézé,
No meio do campo
com todo o cartaz
não era capaz da taça trazer;
a negra derrota
a todos abarca,
por que não embarca
pro inferno, Zézé?