Se houvesse uma estatística do índice de mortalidade literária, os escritores brasileiros já andariam de preto, de luto pelo próprio cadáver. Casos como o de Machado de Assis (69 anos), Alberto de Oliveira (80), Domingos Gonçalves de Magalhães (71), e de uns poucos entre os já idos, são raros, como raro é o caso de Amadeu de Queiroz, forte e rijo do alto de seus 80 anos. Quanto ao sr. Ataulfo de Paiva, é de supor que esteja ainda em pleno ardor juvenil justamente por ter se poupado sabiamente às canseiras do estilo.

Morre-se muito cedo e muito facilmente no vasto hospital nacional. Enquanto a média de vida já alcançou em alguns países as cercanias dos 70, aqui ainda estamos nos subúrbios dos 50. E, mesmo se descontássemos a enorme mortalidade infantil, examinando a mortalidade entre determinados grupos de adultos, o assunto não se torna um pouco mais animador, embora os antibióticos e o saneamento estejam esticando de bastante o comprimento da vida neste país quente.

Não nos consola, mesmo por não ser procedente, falar em terras tropicais, cheias de doenças. Doença tropical é falta de vergonha dos poderes públicos, desde que haja verba. País que empregue o dinheiro em besteiras não têm o direito de falar em doenças tropicais. Sobre isso escreveu com acerto o falecido Afrânio Peixoto uma página que todos os dirigentes de saúde pública deveriam saber de cor, a fim de tomar coragem para enfrentar os males tropicais. “A saúde do globo é a conclusão de Afrânio Peixoto — é independente da fatalidade das latitudes: é conquista do esforço e do conhecimento humano”.

Voltando aos escritores, diverti-me com a naturalidade com que as revistas francesas, agora chegadas ao Brasil, registraram a morte de Colette, que se foi aos 81 anos. Não há nenhuma referência especial “a uma longa vida, toda ela de inteira dedicação aos lavores do espírito”, chapa muito comum nos necrológios de nossos escritores que vão desta a pior em idade mais ou menos avançada. Escritor que morre aqui com mais de 60 anos, está arriscado ao castigo daquela chapa. Lá, na França, a pessoa pode fechar os olhos com mais de 80, e não é impossível que um cronista mais lírico fale gentilmente em morte prematura. Gosto disso. Gosto deste amor e deste respeito pela vida, indício de competência para as coisas do mundo, gosto que trate a morte como intrusa, como desmancha-prazeres. E não gosto desse conformismo, dessa intimidade nacional com a morte, sinais de desorganização interior e de infelicidade.

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