No domingo de manhã, a moça estrangeira, que acabara de chegar ao Rio, telefonou para dizer que aproveitaria o dia para visitar as vistas da cidade. À tarde, fomos assistir ao futebol.
O campo do Botafogo, para quem está dentro do estádio, oferece em torno uma paisagem singular: sabemos que é o Rio mas podia ser qualquer cidadezinha do interior, com dois morros alastrados de miseráveis barracos. Só o Pão de Açúcar retifica e individualiza a paisagem. Do lugar em que estávamos era justamente o Pão de Açúcar, com o seu bondinho lento, que estava à nossa frente.
À noite desse mesmo dia, depois de uma ceia e um beberico modestos na companhia de amigos, dormimos. Seria impossível precisar a que hora, depois de que acontecimentos, depois de que túneis atravessados, depois de que abismos aonde éramos mergulhados, chegou aquele sonho.
Sonhamos que tínhamos tomado o bondinho do Pão de Açúcar para a nossa primeira visita àquelas alturas. Chegando lá em cima, espantou-nos antes de tudo a extensão inimaginável do topo, e de uma grande casa térrea, com um bar e imensos quartos, que aí se encontravam. Esse elemento do sonho era fornecido pela lembrança de uma ida rápida a uma das estações dos Alpes alemães.
Nada via imediatamente quem chegasse ao platô. Para olhar a paisagem era preciso ir até uma janela de vidro. O sonho roubava esse detalhe de lembranças cinematográficas sobre o Empire State Building.
Aproximamo-nos da janela e tivemos a visão deslumbrada e absurda. O Rio de Janeiro não se encontrava lá embaixo mas um pouco acima do Pão de Açúcar, projetado em nuvens coloridas, de onde imergiam casas e torres que não existem na realidade.
“O Rio é de ouro eu não sabia”, disse uma senhora a meu lado. Sim, o Rio era dourado, mas de um dourado que não se encontra no metal mais puro, de um ouro que só encontramos em certas reverberações do sol em nuvens, de um dourado que vimos nos mais melancólicos e maravilhosos crepúsculos mineiros e que vimos, a milhares de metros de altura, voando acima das montanhas do Atlas.
Esse último elemento como verificamos depois de acordados, era importante para o sonho. A visão do Atlas a que nos referimos perseguia-nos. A impossibilidade de descrever aquele crepúsculo visto de um avião nos causava o impotente sofrimento de uma total limitação de recursos. Agora, o Rio, pelo milagre do sonho, era a transformação daquela paisagem aérea, daquelas nuvens de cores diversas, do ápice da alta montanha, em casas, em torres, em mar. O Rio era feito com as nuvens que vimos naquele poente fantástico. Seu colorido era violento e, no entanto, se harmonizava estranhamente com aquele dourado radioso que predominava. Um mar azul-Dufy vinha desmanchar-se contra a doce linha curva da praia de Copacabana. As luzes se distribuíam em desenhos cheios de graça. A cidade toda dava uma poderosa sensação de irrealidade e, entretanto, respirava uma estranha calma, uma perfeição tocada de tranquilidade absoluta.
Não nos lembramos o momento em que sonho se desmanchou. Outra vez o mistério do sono arrastou-nos a insondáveis abismos. Até que acordamos, exaustos da viagem, para uma cidade cheia de sol, de pobreza, de problemas e de melancolias.