Um senhor de meu conhecimento, do mesmo modo que Salomão, confiou-me que tudo neste mundo é vaidade. De acordo com o seu princípio, aplicou este segredo milenar a várias figuras da literatura moderna, desmascarando-lhes as vaidades típicas. Os resultados a que chegou, disse-me ele, não insultam a ninguém, antes pelo contrário, se somos todos nós uns detestáveis vaidosos, possuir uma vaidade específica não é coisa tão detestável, é coisa reservada mesmo a varões e senhoras de muita personalidade. André Gide, por exemplo, sofre da vaidade do mal. Segundo o tal senhor, Gide ama o pecado não pelo prazer, mas pelo gostinho endiabrado dos malfeitos. O que, meu velho, desculpe-me, mas não é nenhuma novidade. Mais interessante é a qualificação de Victor Hugo: um simples problema de vaidade demagógica. Ou a de Baudelaire: a vaidade da morte, quer dizer, a vaidade específica de quem sofre a um epicurismo às avessas. Mallarmé tem a vaidade do absoluto, Valéry, a do espírito. Em Verlaine havia uma invulgar vaidade de prostituição. Em Anatole France, a vaidade elegante da dúvida. Léon Bloy, a vaidade do sofrimento. Bernanos, a vaidade apocalítica. Na literatura inglesa: Huxley, a vaidade do sarcasmo; Lawrence, a vaidade do macho; Mansfield, a vaidade do inefável; Charles Morgan, a vaidade do imponderável; e outros.

Na literatura indígena, há casos típicos bem consideráveis, o crítico Tristão de Ataíde, por exemplo, goza de uma invejável vaidade da plenitude. Os vaidosos da plenitude acreditam em alguma coisa com alegria incorruptível. O caso de Paul Claude é o mesmo. Estes “vaidosos” são de alma sadia em corpo sadio, o que costuma conduzi-los a um jubilo paroquiano bastante ingênuo. “Não é o caso do Abreu” ― advertiu-me o senhor do meu conhecimento. As palavras-símbolos da categoria são facilmente identificáveis nos poemas do sr. Tasso da Silveira.

O poeta Carlos Drummond, amando as coisas para depois insultá-las, e vice-versa, sofre da vaidade da rebeldia. Esta espécie de vaidade é alérgica aos regulamentos. Os “rebeldes” acabam em geral numa descarada simpatia pelos criminosos de toda natureza.

Otavio de Faria é um caso típico de vaidade da tragédia. Lucio Cardoso sobrestimando a noite, tem a vaidade do caos, diversa da vaidade da transcendência, e que Daniel Rops é o exemplar perfeito. 

Álvaro Lins tem a vaidade da justiça e Augusto Frederico Schmidt, a vaidade da predestinação. Manuel Bandeira é esquivo.

Finalmente, disse-me o senhor do meu conhecimento, há nas letras pátrias um caso muito singular de vaidade das vaidades. “Quem”? ― perguntei: “Não digo” ― sorriu o senhor. Acabou dizendo. Eu é que não digo.

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