Um amigo criticou-me esta modesta seção porque ― disse ele ― as minhas crônicas são muito pouco informativas. ― Que ― na opinião dele ― crônicas literárias, como esta, devem ser fundamentalmente informativas.

Ora, acontece que eu estou de acordo com o ilustre amigo. Eu deveria ser mais informativo. Entretanto, para mal dos meus pecados eu quase nada sei sobre a vida dos autores e dos livros do momento. Devo informar, é verdade, mas que coisas informar?  Dizer que até hoje não se sabe ao certo quem foi Shakespeare? Ou que Marcel Proust era um rapaz francês, que publicou um livro que não fez muito sucesso, que depois publicou vários outros que “reussiram” e que, finalmente, faleceu em 1922, ano em que, modéstia à parte, eu nasci? Não, seguramente não se trata disso. Informações como esta estão nas histórias literárias, à disposição de todos. O que o meu amigo e os leitores certamente querem são estas informações difíceis que se apelidam inéditas. Sobre autores estrangeiros? Não, com certeza não. As preferências devem inclinar-se para os nossos autores nacionais, os literatos essencialmente agrícolas.

E aí é que eu sou forçado a reconhecer e medir toda a extensão do meu fracasso como cronista. Eu não sei quase nada sobre os nossos escritores O pouco que sei ou se trata de coisa sem importância ou se trata de coisa não imprimível em letra de forma. Eu não sei se o sr. Lúcio Cardoso sofria de “pavores noturnos” quando criança ou se o sr. Marques Rebelo conheceu em Santa Maria da Boca do Monte (não sei também se ele já esteve lá) uma velha de oitenta e dois anos que sabia quase todo Lamartine de cor. Eu, ao contrário do sr. Condé, o implacável (continuo a confundir-lhes os nomes), não sei nada, não tenho arquivo, não guardo notícias biográficas, não tenho jeito para a sua amável bisbilhotice. Sou irremediavelmente um mau cronista. Quem me olha, vê logo que eu sou muito pouco informativo. Quem me lê, confirma esta deficiência. Direi que Álbum de família está provocando um divortium acquarum? Não direi; todo mundo já sabe. Direi algo sobre um cidadão tão pacífico como o sr. Emílio Moura? Não direi: deixá-lo meditar seus versos nas horas virgilianas de Minas. Sobre o sr. Otávio de Faria? Direi: Outro dia, leitor, encontrei-me com o sr. Otávio de Faria. Ele convidou-me para beber uma batida de maçã. Eu aceitei e retruquei-lhe com uma batida de limão. Ele aceitou e replicou-me com outra batida de maçã precedida de uma preleção sobre a superioridade da fruta europeia sobre a fruta brasileira. Nacionalista à beça, provei-lhe praticamente que o limão era uma fruta de invulgares virtudes. No fim de um certo tempo, concluímos cordatos que todas as frutas eram excelentes, sobretudo em garrafa.

O que eu sei são coisas assim, pecados muito particulares que não interessam a ninguém. Sei também que o sr. Murilo Mendes mora em uma casa onde há vinte e três cachorros muito antipáticos. Sei que o Sr. Graciliano Ramos fuma cigarro Selma. Sei que na casa do poeta Carlos Drummond de Andrade há apenas um cachorro. Sei que na casa do poeta Manuel Bandeira não há cachorro, nem na casa do poeta Augusto Frederico Schmidt, nem na casa do poeta Vinicius de Moraes. Na casa do sr. Aníbal Machado há também apenas um luluzinho, já bastante domesticado. É o que eu sei. Eu tenho um medo insensato de cachorro.

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