A — ALMA. Na língua azteca, uma única palavra significa sombra, alma e vento. Não encontro, entretanto, uma frase boa para dizer a respeito disso.

B — BILAC. Parodiando André Gide a respeito de Vitor Hugo, podemos dizer que Olavo Bilac, infelizmente, é um dos nossos maiores poetas. Um jovem e talentoso escritor, mais conhecido por Lêdo Ivo, há muito que planeja organizar uma romaria de desagravo à campa do parnasiano ilustre. Minha adesão está dada.

C — CLÁSSICO. Se já não fosse um pouco bisonho distingui-los, eu diria que clássico é o escritor cujas obras se parecem um tanto simplórias e romântico é aquele cujas obras se parecem um tanto de mau gosto.

D — DINHEIRO. O dinheiro é o óleo para a máquina da vida, disse Valéry. Que seria de Proust se ele não fosse abastado? E que seria de Balzac se ele fosse rico?

E — EURÍPEDES. Inveja dos que podem epigrafar um poema ou um romance com uma citação de Eurípedes em grego. Não sei, porque diabo, apenas quando se trata de Eurípedes. Não me importo com citações de Aristóteles ou de Platão.

F — FIM. Nas histórias cinematográficas sou inteiramente pelo happy end.  Afinal, por que cargas d’água tudo deveria acabar mal? Além disso, se os escritores de argumento tivessem preocupação de permanecer fiéis ao pessimismo natural da vida, andaríamos todos de preto, melancólicos como sabiás na muda.

G — GOIVO. Palavra bonita que se desfolha em maus poemas.

H — HOMERO. Conversa de Paul Valéry com André Guide, dois símbolos da cultura clássica.

— Você conhece alguma coisa de mais cacete do que a Ilíada?

— Sim, La chanson de Roland. 

I — ILYA EHRENBURG. Realmente é lamentável a sorte desse rapaz. Como uma criança a calçar o sapato de um gigante, o seu talento é pequeno demais para o seu renome. 

J — JOYCE. Que esforço é necessário para a gente confessar que nunca leu o Ulysses. 

K — KAFKA. Se Kalka, segundo dizem, ria-se realmente das situações que ele criava em seus livros, trata-se de um sinal certo da dramaticidade desses.

L — LITERATICE. A literatice, em sua forma mais requintada, tem também os seus direitos. Dou-me com um moço bem apessoado, mentalmente, que se fez leitor e defensor dos maus sonetos. Há certos sentimentos, diz ele, certas circunstâncias, que apenas o mau gosto consegue exprimir. Excelente literatice são alguns trechos dos mais prestigiados da literatura universal. Além disso, até o melhor da vida costuma ser literatice.

M — MARX. A filha de Marx conta em suas reminiscências que seu pai “era um grande admirador de Heine. Ele amava o homem tanto quanto as obras e via seus equívocos políticos com grande indulgência. Dizia que os poetas eram criaturas originais, a quem devemos permitir que sigam seus próprios caminhos já que não podemos submeter-lhes as mesmas regras das pessoas comuns”.

N — NATURALIDADE. O ato de pensar é artificial. 

O — ORIGINALIDADE. Conselho de Renard aos desejosos de originalidade: imitar um autor fora da moda.

P — PREGUIÇA. O trabalho é que termina, mas a preguiça é que começa. Se não preguiçosos, não existiriam artistas, nem psicólogos, nem gente interessante. 

Q — QUOTILIQUÊ. Palavra idiota que frequenta exclusivamente os consultórios filológicos.

R — RIMBAUD. Como personalidade, a mãe de Rimbaud é tão interessante quanto ele, inquebrantável senhora que jamais quis ver o monumento que ergueram a seu filho na própria cidade onde ela morava.

S — SILÊNCIO. Consolo para os que não conseguem dizer nada: “só o silêncio é grande, tudo o mais é fraqueza”. (Gérard de Nerval).

paulo-mendes-campos
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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