Nunca pude compreender bem por que motivo certas pessoas afetam não dar importância à obra de um poeta como Augusto dos Anjos. Talvez porque quase todos nós tenhamos achado esse poeta na adolescência, achado como quem encontra a própria imagem ou a própria sombra. Nós nos reconhecemos no niilismo do “Eu”. Porque a adolescência é vagamente niilista e porque a entrada de um homem na puberdade se confunde com o descobrimento de nossa solidão. Nessa idade somos uma casa fechada. Depois, quando os anos permitem que abramos algumas janelas, a convicção de que somos arejados nos induz a repelir tudo que um dia nos encantou.

Assim, um poeta como Augusto dos Anjos, cujo sofrimento foi uma vez o nosso sofrimento, cuja desesperança foi a desesperança de nossos sentimentos tortuosos, passa a merecer de nosso juízo crítico um voto de desconfiança. Reparamos envergonhados que os leitores do “Eu” constituem uma outra gente, diversa de nós, com ideias e sentimentos que nos fariam pejar à menor suspeita alheia de que os alimentamos também. Chega o tempo do desprezo. Superamos Augusto dos Anjos, somos de maior idade em literatura: O “Eu” é catecismo de adolescente, brilho falso a enganar os vates de segunda classe.

Mas superamos realmente? Terá realmente a nossa consciência crítica entrado na idade provecta? De fato, é razoável que os ídolos da adolescência feneçam em nós. De fato, é lógico que desconfiemos do que porventura tenhamos admirado e amado numa fase de absoluta confusão de valores. Não será, porém, sensato permanecermos no repúdio movido pelo pudor, furtando-nos ao conhecimento mais amadurecido dos livros e dos autores que outrora cuidávamos.

Com Augusto dos Anjos, por exemplo, para que não estaquemos na frieza comum com que o consideram os literatos sadios, curados da juventude, é necessário que completemos o ciclo, isto é, que depois de vencido o sentimento já sem lastro com que o cultuamos na adolescência, superemos também a nós mesmos através de um conhecimento mais especializado dos poemas do “Eu”. Então, se o hábito da poesia nos educou o ouvido, se o comércio da crítica poética nos ensinou a ponderar na aventura de um verso, descobriremos que Augusto dos Anjos foi um grande poeta e um poeta singular. Na verdade, os motivos da nossa admiração deixam de ser os mesmos de outra época. Já não o amamos pelos urubus agourentos, mas pelas aliterações felizes de seus versos. Já não nos estremecemos diante do nada que o poeta cantou, mas louvamos a habilidade excepcional de suas consonâncias. Já não prezamos a afetação da linguagem, e sim a sensibilidade verbal que se deixa entrever através dos mesmos propósitos de originalidade.

Em seguida, novos méritos lhe descobriremos se o situamos na poesia brasileira de sua época, em que o poeta da Paraíba ocupou uma posição isolada, conscientemente isolada, valentemente isolada. Ajuntando a isso as circunstâncias que o afligiram e a morte prematura, concluímos que se faz necessária uma revisão crítica de Augusto dos Anjos.

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