É bom que um homem vez por outra deixe o litoral misterioso e grande, querendo contemplar uma lagoa. O mar, este é terrível e resiste à nossa sede com seu sal profundo. Sim, são belas as palavras do mar: hipocampo, sargaço, calmaria. Oceanus! No entanto, uma lagoa, muda e fechada, compreende as nossas pequeninas tristezas, desventuras. Nenhum poeta poderia ser tonto a tal ponto de escrever ao lago uma epopeia, uma saga. Nele posso esquecer apenas meus naufrágios.
Do lugar em que estava, via-se o Cristo de perfil. As montanhas formam um alcantilado que os aviões de São Paulo cruzam com uma elegância moderna. Amo essas montanhas uma a uma, com exceção do morro do Cantagalo, cujo volume é desagradável e pesado. Mas a Gávea e o Corcovado estão em minha alma. Através delas, posso ficar pensando em Minas Gerais, onde, há muitos e muitos dias passados, em um domingo de carnaval, eu nasci.
O domingo estava quieto, quando passou zunindo um automóvel vermelho. O ar continha cubos translúcidos e dentro deles revoavam urubus. São as aves mais feias do céu mas têm um belo voo alçado e tranquilo.
Um pequeno barco a vela seguia o caminho invisível do vento. Depois, surgiram outros barcos, todos brancos e silenciosos. Devo acrescentar, naturalmente, que nada mais bonito existe do que um barco a vela.
As casas dos pobres são construções admiráveis, no ar. O milagre da pobreza é sempre o mais novo e mais cálido de todos os milagres. São lições de equilíbrio e poesia as casas da favela que eu via do outro lado. Moram no alto, em barracos de madeira, e a eles pertencem as mais belas paisagens do Rio.
Do banco em que eu estava, era distante a praia do Pinto, mas lá estive já uma vez e fiquei bobo. Porque todas as palavras já foram ditas sobre a miséria mas a alma dos ricos é cheia de doenças.
O sol foi acabando. Eu me levantei do banco e fui embora. Pensando: há domingos que cheiram a claustros brunidos pelo esforço fervoroso dos noviços. Aquele, entretanto, tinha um perfume de outono.