É o mormaço. Não há mais sol, nem chuva, nunca mais; não há sequer nuvens; há esse nublado geral, fosco e torpe. Nos melhores dias de sol, algumas semanas atrás, o céu não conseguiu ficar azul: uma bruma seca o esfumaçava; depois ela se adensa e o sol se avermelha: depois ainda empalidece, depois some. E o minguante vermelho anuncia mais seca para amanhã. Agora, no momento em que escrevo, chove, mas sem convicção; é uma chuva que não molha, nem sequer refresca, apenas aborrece. Que fizeram nesse país? De onde vem esse mormaço — do bocejo de tédio dos poderosos ou da parda indiferença do povo? Ergue-se o vento do sudoeste, mas traz água; traz gotas. As mulheres, ainda as mais belas, perdem um pouco seu encanto; falta-lhes o beijo do sol, e o carinho do ar das manhãs molhadas. As coisas perdem o volume, nessa luz difusa; e suas cores perdem a vida.

O presidente da república manda chamar o prefeito e o intima a chover. A Light apela para a população; chovam todos, por favor. Ninguém chove; ninguém faz sol. Meu coração ficou neutro; já não amo ninguém. É impossível amar com mormaço. A represa ameaça secar completamente, mas nem isso faz. Nem ao menos temos a esperança de grandes noites completamente escuras de miados e uivos nas trevas. Negam-nos o drama.

A fila da manteiga me irrita; é enorme e, entretanto, dispensável. O mar está parado, morno, ele e o céu têm a cor chata do zinco. O calor é intolerável, mas apenas por um dia ou dois; a pressão ameaça fazer saltar os nervos e obrigar os ratos a emergirem enraivecidos dos bueiros, mas logo cede. Faz mormaço também dentro dos termômetros e dos barômetros.

Faz mormaço na alma, faz mormaço na Câmara. Os ventos estão desmoralizados, e já sopram sem fé. Então a calmaria enerva. É desagradável ficar em casa, e não vale a pena sair. É necessário fazer crônicas, mas seria ridículo tentar dizer alguma coisa de concreto.

Não dispomos sequer do tédio esplêndido de Baudelaire: “je suis comme le roi d'un pays pluvieux...” Somos todos amanuenses de um país de mormaço; não atingimos o tédio, ficamos na chateação difusa. A minha vizinha pensa em raspar os cabelos das pernas, mas deixa para amanhã. Vamos todos deixar a vida para amanhã e, por favor, não morra ninguém: é horrível a gente ir aos enterros bocejando.

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P. S. — Lamento uma injustiça que pratiquei em minha crônica sobre o Salão Nacional, mas me alegro em retificar: fui informado de que Oscar Niemeyer nenhuma interferência teve na premiação, não tendo sequer comparecido; e Roberto Burle Marx não votou na escultura premiada, mas em outro candidato.

rubem-braga
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