Senhor secretário da Redação:
Estou-lhe fazendo este bilhete para dizer que hoje não vai crônica. Não estou passando bem. Isto, aliás, é mentira. Estou muito bem; estou excelente. Só o que me atrapalha e aborrece é ter de escrever crônica. Fora disso, neste sábado lindíssimo, tudo é azul. Lá fora a molecada joga bola, e passam moças para a praia. O senhor compreende, não é justo nem decente eu ficar aqui martelando o teclado negro desta negra máquina, quando em menos de cinco minutos eu posso estar furando a curva de uma onda, ou bebendo pela pele, na areia, as vitaminas do sol.
O povo precisa de vitaminas! O novo prefeito diz que vai nos governar à maneira suíça! Hoje é sábado — e sábado é dia de pobre se divertir.
Senhor secretário, a situação é tensa; estou-lhe mandando este bilhete num sábado, quarto minguante. A semana vai acabar, a lua está diminuindo, não há tempo a perder. Senhor secretário, a vida está voando! No Dia do Juízo vão me perguntar: “que fizeste quando os pássaros cantavam, e o céu era azul, a espuma das ondas voava na brisa, e as mulheres eram moças e belas — que fizeste?”.
E eu direi: “fiquei em casa fazendo uma crônica”.
Ora, senhor secretário, a gente precisa pensar nessas coisas. Um dia eu posso ser avô. Imagine meu netinho pedindo: “avô Braga, me conta uma história de sábado de sol em Copacabana em 1951”. Eu terei de responder: “houve muitas histórias mas eu não sei nenhuma”. Ele me perguntará: “mas vovô, você não fazia nada”? E eu: “não, não fazia nada, eu não vivia, nem nadava, nem bebia, nem dormia, nem amava — eu fazia crônicas”.
Para lhe mostrar como as coisas se precipitam, senhor secretário: ontem o médico disse que estou com a vista cansada. É claro, tenho visto muita coisa cansativa e triste: miséria, dor, humilhações. Ainda ontem mesmo vi uma criança doente tão miserável, tão disforme na sua doença que parecia um milagre ainda ter respiração para mover o peitinho. Um milagre triste, quase revoltante. Seus olhos... mas não, senhor secretário, eu não vou fazer crônica sobre isso nem sobre coisa alguma. Não posso. Minha vista está cansada de muita coisa; mas não das árvores; não do céu; não, nunca, do mar. E exatamente esta manhã, senhor secretário, recebi do astral, vinda pelo telefone, uma mensagem segundo a qual, além das gaivotas, é possível que seja visível esta manhã, em pessoa, na praia, a Deusa da Graça e da Beleza, como se dizia nas valsas.
E eu que não sei fazer valsas! No lugar da minha crônica faça o favor de publicar, senhor secretário, um anúncio: precisa-se de uma pessoa que faça uma valsa do estilo de “Tu és divina e graciosa, estátua majestosa, etc. etc.”, porém, mais caprichada, negócio urgentíssimo.
Minha esperança está nessa história do prefeito novo. Governar à maneira suíça!
Dizem que é assim: todo mundo entra num acordo. Topo! Vamos fazer o seguinte: vocês ficam por aí, eu vou para a praia, a praia ideal dos mares azuis da Suíça, que fica acima das montanhas em que o luar beija as neves serenas e então contemplarei nos teus olhos o infinito, ó cabeça linda sobre o colo grácil, como a flor na haste trêmula de beleza, em eternal adoração perene ou perenal adoração eterna — está vendo, senhor secretário, eu não sei mesmo fazer valsa, não sai aquela coisa bonita que vai dando volta no ouvido, na alma, no ar. Não sei. Crônica eu sei, senhor secretário; eu tenho prática. Mas como o senhor está vendo, hoje não estou em condições. Lá fora há tanto sol! Está um dia tão sábado, tão oceano Atlântico, tão aurora boreal! Adeus.