Saímos cedo do Rio, mas em São Paulo temos de fazer fila. Estamos num país em que se faz fila para tudo, mas esta, pelo menos, é razoável: como o campo de S. Paulo esteve fechado durante algum tempo, somos nove aviões a esperar a hora de descer. O capitão Clovis Pavan, que é o copiloto do cel. Oswaldo Lima nesta viagem de rotina do Correio Aéreo Nacional, me avisa que no momento ocupamos o quarto lugar na fila vertical: acima de nós, há cinco, e abaixo há três aviões fazendo ronda, a cem metros de distância um do outro.

 

Descemos. E quando rumamos depois para Curitiba vemos lá embaixo uma cidadezinha inundada pela enchente de um rio, que deve ser o da Ribeira do Iguape. Uma rua de casinhas baixas está afogada na água barrenta, e muitas lavouras, talvez de caboclos, talvez daqueles colonos japoneses que uma vez vim visitar aqui, estão perdidas. “Mas isto é uma aldeia minhota” ― lembro-me dessa frase do poeta António Pedro quando passeava, com Carlos Lacerda e comigo, pelas ruas antigas da linda cidade de Ribeira.

 

Depois de Curitiba o tempo se fecha, e não podemos ver os famosos campos de Guarapuava: quando o céu se limpa estamos sobre matas monótonas e assim vamos até Foz do Iguaçu. Mais uns quarenta minutos sobre as matas e o barrento Paraná, e chegamos a Guaíra. O rio está tão grosso que passa sobre uma das pontes e as Sete Quedas perdem a sua beleza.

 

Entardece. Sentamos na varanda do hotel, onde não há ninguém. Há apenas um grande silêncio. Começa a cair uma chuva grossa, mas lenta quase oleosa. Cai vertical, pesadamente, na terra quente: mas o ar continua parado, como se não o despertasse essa chuva lenta e morna. Não faz calor; está confortável esta varanda, diante dessa chuva gorda, entre árvores gordas. Dentro do sossego de tudo, depois dos ruídos da viagem, da lembrança da última noite do Rio, dos amigos que encontrei no aeroporto de S. Paulo, do almoço em Curitiba, da conversa e do ronco do motor do avião ― dentro desse sossego súbito e imenso, eu me sinto embalado em uma grande rede, eu me sinto só no mundo, mas sem nenhum desejo nem aflição. Estou quieto, limpo, calado, vendo a chuva cair com força e doçura. Estou vazio, triste e feliz: eu sou essa mangueira, eu sou aquele boi. Temas: Viagem; natureza; solidão.

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