O caso é conhecido. Um alemão que alugava pequenos barcos a motor e a pedais, na Lagoa Rodrigo de Freitas, foi apontado como autor de numerosos atos de crueldade e assassínios. Teria sido um dos nazistas carrascos de judeus. Quando a história foi divulgada, um grupo de judeus de Ipanema danificou as instalações do homem. Ele mudou-se para Niterói.

A serem verdadeiras como parece que são, as acusações que há contra esse homem, é lamentável que ele não seja julgado e castigado pelo que fez. Os crimes de que é acusado são repugnantes pela covardia e pela crueldade. De qualquer modo verdade é que ele está solto e vivendo tranquilamente em Niterói. Enquanto isso, três judeus que teriam tomado parte das depredações estão sendo processados.

É perfeitamente natural que a colônia israelita se sinta solidária com esses três homens que estão sofrendo um processo. Agora acontece que o juiz Cristóvão Breiner, com quem está o caso, recebeu um telegrama com 18 assinaturas, que diz assim: “Jovens judeus da Bahia declaram-se solidários colegas Distrito Federal, ora ameaçados processo nada condizente tradição democrática povo brasileiro. Esperamos justiça repudie provocações remanescentes nazistas que, como Herbert Cukurs, maculam, com sua presença gloriosa terra brasileira”.

É claro que ninguém poderia esperar que o juiz respondesse a esse telegrama. Ele poderia simplesmente considerá-lo impertinente, jogá-lo à cesta. Lemos, entretanto, em um jornal, que o juiz Cristóvão Breiner “considerou ameaçadora para a sua pessoa e injuriosa à Justiça” a mensagem, e a remeteu ao procurador geral do Distrito Federal pedindo abertura de inquérito criminal para apuração da responsabilidade dos seus signatários.

Não conseguimos enxergar, nesse telegrama, nada de ameaçador nem de injurioso. Ele poderia no máximo ser considerado, como já dissemos, impertinente ou inábil. Dispondo-se a processar esses 18 rapazes da Bahia, o juiz revela um excesso de suscetibilidade que me espanta.

Ele, afinal, não está julgando três desordeiros comuns. Está julgando três homens que tomaram sob seus ombros a responsabilidade de um ato coletivo de violência praticado em um momento de indignação. Não aprovamos essa violência, mesmo reconhecendo que ela foi muito limitada; mas respeitamos essa indignação, que se dirige contra um dos acusados da mais monstruosa e nojenta das carnificinas de que o nosso século tem notícia.

A boa justiça, no caso, seria julgar Cukurs, ou entregá-lo a quem o pudesse julgar, no lugar em que praticou os alegados crimes. O juiz Cristóvão Breiner não é culpado dessa falha, como também não foi ele quem promoveu o inquérito contra os três rapazes de Ipanema. Apenas recebeu para julgar um processo que tem uma história muito especial e envolve histórias altamente dolorosas e delicadas. Por isso mesmo sua reação ao telegrama nos parece estranhamente nervosa e descabida. Não desejamos ensinar ao juiz Breiner o que deve fazer um juiz para fazer respeitar a sua toga. Ele deve sabê-lo muito bem, pois parece se preocupar apenas com isso, mesmo quando não houve desrespeito de espécie alguma à toga de ninguém. Mas aconselhar serenidade, isso achamos que não é crime nem é feio, mesmo quando nos dirigimos a um juiz.

Quanto às ameaças não se iluda o honrado juiz; elas não estão no telegrama, estão no seu pedido de inquérito pois a única ameaça real que ele enfrenta é a de cair no ridículo, com seu excesso de melindres.

rubem-braga
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