Pois foi um erro eu ter deixado você no Grande Ponto àquela hora; saí, andei, virei, mexi e acabou me acontecendo no fim da noite o que eu não queria que acontecesse. Ainda ontem uma encantadora amiga me acusou de ser humilde em coisas de amor. Sou; e como poderia deixar de ser? Sim, não tenho tática: nem tenho nem quero ter. Ao diabo a tática e as espertezas. Só sei gostar assim, de peito aberto e cara limpa; se me tratam mal fico triste, se me tratam bem, fico alegre. Se me tratam mal demais acabo me cansando, porque tristeza também cansa. “Ai, que trabalho me custa querer-te como te quero!” dizia Garcia Lorca. E confessava que lhe doía até o chapéu, de tanto querer bem. Menos mal que não uso chapéu; pelo menos não tenho isso, dor de chapéu. As outras eu tenho. Você me dirá, com certeza, a consertar os óculos: “aguenta a mão, homem”. Estou aguentando, José. 

Ora, vamos mudar de assunto. Cumprimentemos o Diário Carioca, que fez anos; já fui de lá, e gosto do jornal, que é vivo, humano e, quando preciso, valente. Um abraço para os antigos companheiros de carroça. Na verdade, o cronista é mais um “burro sem rabo”, trabalhando com o seu carrinho de mão. Às vezes, a gente parece que finge que trabalha; o leitor lê a crônica e no fim chega à conclusão de que não temos assunto. Erro dele. Quando não tenho nenhum frete a fazer, sempre carrego alguma coisa, que é o peso de minha alma: e olhe lá, José, que não é pouco. O leitor pensa que estou com o carrinho vazio; e eu mesmo disfarço assobiando; mas no fim da crônica estou cansado do mesmo jeito. Veja esta. Pense nisto: o leitor pode bocejar, parar aqui, dar o fora, se ainda não deu. Eu tenho de ir tocando: assim ganho minha vida. Mal. Está claro que não vou fazer queixas, e pode ser que me paguem mais do que mereço; em todo caso é menos do que careço. A gente, de jornal, devia fazer como a de rádio: arranjar um patrocinador. Não há por aí um fabricante de pílulas que queira patrocinar um cronista sentimental? O leitor acabaria não lendo as crônicas, mas sempre engoliria as pílulas.

Você está vendo, José, que hoje estou com a cachorra. A expressão é antiga, e não é bonita; mas eu é que não vou procurar outra. Ouço a cachorra uivar dentro de mim; vou consultar Prudentinho. Um amigo me disse que o encontrou outro dia na rua da Candelária. Fica-lhe bem, ao Prudente, a rua da Candelária. Afinal porque dão nomes de homens às ruas e não dão nomes de ruas aos homens? Eu acho que daria uma travessa triste, mas movimentada, como aquelas que tem perto do mercado; ou então uma qualquer rua de subúrbio, meio calçada, melo descalça, que começa num botequim e acaba num capinzal, e tem um córrego do lado. Faço questão do córrego do lado.

Bom, José, até outro dia, um abraço para você.

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