Deu um vento áspero, cheio de poeira e folhas secas: mas depois, já de tardinha, a rosa dos ventos girou, e então veio do sul um ar frio e úmido, que fez bem ao nosso focinho: desceu uma chuva mansa.
Mas nesse dia aconteceu muita coisa: e para não pensar, e para não sentir, andei longamente pela rua sob a chuva fina. Eu me sentia como feito de pau: um homem mecânico andando, lentamente andando, andando como qualquer homem andando em qualquer rua. Um homem maciço, sem nenhum espaço dentro dele para coração, memória, nem desespero: todo de pau.
Um homem de pau, de cara de pau: boca de pau, olhos de pau. Podem rir dele, serrá-lo em tábuas, parti-lo em achas de lenha, pintá-lo, queimá-lo, fazer dele mesa, cabide, canoa. Podem fazer dele tudo, menos fazê-lo sofrer.
Ele anda nas ruas neutras, dobra a indiferente esquina, ele caminha sem pressa. Sabe que em alguma parte há um relógio batendo os segundos, inexorável. Sabe que vai acontecer alguma coisa desesperadamente triste, que ele não pode evitar. Por isso, para não sofrer, ele se fez de baú. Sabe o que vai acontecer; sabe, mas não pensa nisso, não sente.
Apenas vagamente, muito vagamente, como um pedaço de pau, com a seiva seca, mas que ainda tivesse uma distante consciência de árvore — muito vagamente sente que a chuva fina lhe faz bem, um inútil bem físico, a umidade. Mas seus olhos estão secos e, por dentro, ele está seco, bruto morto. Andando na rua, andando.