O gerente de um grande banco me dizia:

— Esta mesa, v. sabe, é uma espécie de confessionário. Não tenho o direito de contar nada do que ouço aqui. Se não fosse isso, palavra de honra, eu mandaria instalar um aparelho de gravação. No fim do mês eu já poderia mandar ao presidente da República um fio gravado com algumas conversas, e um cartão junto dizendo assim: “Ouvindo isso o senhor poderá ver como é fácil aumentar as rendas públicas de maneira extraordinária sem o menor aumento de impostos”.

Aquele gerente todo ano paga religiosamente seu imposto de renda. “Sou um empregado. Não me queixo: estou ganhando bem. Mas quando vejo um funcionário de banco, que vive com dificuldades, pagar esse imposto, não posso deixar de me sentir revoltado. Quando um cliente rico vem aqui tratar de um negócio e me mostra o balanço de sua firma, da indústria ou do comércio, ele nunca se esquece de esclarecer (confidencialmente) que na realidade os lucros são muitas vezes maiores, e estão disfarçados desta ou daquela maneira na escrita. E me diz tranquilamente: “Você compreende, é por causa do fisco”. Ora, o que um desses clientes sonega em um ano daria para pagar o imposto de todos os funcionários do banco durante vários anos”. 

Em todo país do mundo há pessoas que lesam o fisco. No Brasil, porém, a situação chegou a um tal ponto que o sujeito que paga honestamente seus impostos é uma exceção. Se é um homem de negócios fica até mal visto: trata-se de “otário”. Ele está pagando o que “ninguém paga”; entende-se por “ninguém”, é claro, nenhum outro rico. Mesmo porque o pobre, que vive de seu trabalho, esse não é ninguém…

De resto, os dinheiros públicos são aplicados, muitas vezes, de maneira tão desonesta, que contribuir honestamente para eles deve até ser considerado imoral. Este é um bom argumento “moralista” de nossos tranquilos sonegadores.

Outro dia eu estava numa roda quando apareceu uma moça encantadora, dessas que enfeitam as páginas das revistas de luxo. Um amigo disse-lhe que tinha telefonado pela manhã e não a encontrara em casa, aquele lírio das boates respondeu:

— Pois é, hoje eu saí de madrugada. Às nove e meia já eu estava na rua: só tem índio!

No Brasil quem sofre o grande peso dos impostos é essa grande massa confusa e melancólica que levanta cedo e trabalha de sol a sol: é só índio…

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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