Elke Maravilha, 1975. Foto de David Zingg/ Acervo Instituto Moreira Salles
Sabem os cronistas a que extremos pode levá-los a obrigação de encher um palmo de jornal ou revista e não ter assunto para rechear o espaço. Este é todo um longo e divertido capítulo do ofício. Divertido, é claro, apenas para o leitor, que nem sempre poderia imaginar o pesadelo que foi para Paulo Mendes Campos, por exemplo, alinhavar a deliciosa “Vaidades e uma explicação”, ou, para Antônio Maria, pôr de pé sua impecável “Amanhecer no Margarida’s”.
Fernando Sabino lembrou com muita graça o dia em que o colega Rubem Braga, à míngua de assunto, lhe perguntou se tinha alguma crônica usada que pudesse lhe ceder.
Organizadíssimo, o escritor mineiro baixou a seus arquivos e de lá trouxe a história de uma sopa servida a preço irrisório no Centro do Rio de Janeiro. O Velho Braga apanhou a crônica, deu um tapinha no texto e publicou.
Tempos mais tarde, foi Sabino quem precisou de crônica de segunda mão, e fez ao amigo a mesma pergunta que ele lhe fizera. Braga mexeu e remexeu em seus papéis – e o que exumou ali? Justamente a crônica da sopa dos pobres. Fernando ensaiou reclamação, mas, sem alternativa, engoliu a requentada sopa, com o trabalho adicional de trocar alguns ingredientes, de forma a disfarçar o sabor de coisa por demais manjada. Por via das dúvidas, para cortar qualquer possibilidade de mais idas e vindas, enfiou ali a informação de que o maldito caldo ia sumir do cardápio.
O mesmo Braga tem duas outras histórias célebres de saídas brilhantes para o sufoco da falta de assunto. Numa das crises de inspiração zero, ainda no começo da carreira, ele encheu sua coluna, num jornal paulistano, de impropérios contra o leitor, sobre o qual despejou até mesmo pragas – de forma tão graciosa, porém, que se tornou impossível abandonar a leitura, arrematada com um “Passe mal!”
Pela mesma época, Rubem Braga saiu-se ainda mais brilhantemente no dia em que, sem outro recurso, decidiu simplesmente publicar crônica alheia, de autoria de um amigo, ainda por cima, Carlos Drummond de Andrade, estampada fazia pouco num jornal de Belo Horizonte.
Não, não se vai contar aqui a saborosa história – trate, sem mais tardança, de buscar neste portal “O crime (de plágio) perfeito”, e se regale com a criatividade de Rubem Braga, brilhante até mesmo quando recorre a texto que não seja seu.