Salto ornamental em piscina no Estádio do Pacaembu, 1945. Foto de Thomaz Farkas/ Acervo Instituto Moreira Salles
Fim de ano é ocasião de olhar para trás e adiante, num imaginário giro de cabeça em que avaliamos os últimos doze meses e rascunhamos sonhos para os que virão. Não haveria de ser diferente com os cronistas, que têm de acréscimo a obrigação de compor um palmo de prosa para bem fechar o calendário.
Foi assim com Rachel de Queiroz, que em “Adeus, 1947” só faltou dizer “já vai tarde!” ao exercício que findava. “Alegrias de ano-novo são modos de esconder tristezas de ano velho”, começou dizendo a escritora cearense. Tristezas, de fato, foi o que a seu ver não faltou nos doze meses de 1947, nos quais bem pouca coisa haveria a comemorar.
Dois anos depois do fim da ditadura do Estado Novo, minguara a “lua de mel democrática”. Nenhum problema fora desde então resolvido, avaliou Rachel, enumerando decepções cívicas. “O petróleo continua a encher apenas as colunas da imprensa. Nem mesmo o drama da água do Distrito Federal foi resolvido – como não o foi o metrô – nem chegou a desenlace a famosa novela do estádio.” A cronista se referia à construção do Maracanã, que não seria iniciada antes de agosto de 1948, para estar concluída em junho de 1950, às vésperas da Copa do Mundo que perdemos para os uruguaios.
Em 1947, encerrou Rachel, “nem mesmo poderemos dizer que o sol nasceu e se pôs regularmente – pois houve o intervalo do eclipse”. Acontecimento, aliás, de que seu colega Otto Lara Resende se ocupará décadas mais tarde, ao relembrar, em “O outro foi melhor” – disponível neste Portal –, o fenômeno que lhe tocou cobrir, no interior de Minas, para um jornal carioca, e ao cabo do qual, voltando para o Rio num avião militar americano, sofreu acidente que lhe custou uma cabeça quebrada.
“Alegrias e desastres, está tudo escrito”, escreveu Otto em “O futuro pelas costas”, crônica de 26 de dezembro de 1991, a propósito de outra coisa, a astrologia – e acrescentou: “Desastre, aliás, quer dizer fora da rota dos astros. Má estrela, infortúnio. [...] Fantástica reserva de fé tem o ser humano. Quer acreditar e acredita.”
Não era, ainda, seu balanço daquele ano, publicado dois dias mais tarde. “De uns tempos para cá, decepção após decepção, entramos numa fossa de amargar”, registrou Otto em “Sim ao sonho”. Nem por isso perdera as esperanças: “O futuro não nos foi proibido, e não se esgotaram a energia e a luz que nele residem. A vida é fecunda, inventiva e imprevisível”.
Um ano mais tarde, exatamente – em 28 de dezembro de 1992 –, no rastro de cirurgia que não deixava prever tal desfecho, morria Otto Lara Resende.