Nenhum zoológico, Sttutgart, Alemanha, 1976. Foto de Otto Stupakoff/ Acervo Instituto Moreira Salles
Em sua deslumbrante cobertura em Ipanema, o Sabiá da Crônica – apelido que o amigo Sérgio Porto pespegou em Rubem Braga – teve em gaiola várias espécies de pássaros, mas nenhum sabiá. Em meados dos anos 60, sua fauna avícola doméstica consistia num coleirinha, um curió e um melro (macho, e ainda assim batizado Brigitte, pelo tanto que se desgrenhava ao tomar banho). Braga tratava amorosamente as aves, residentes ou de passagem pela cobertura, onde havia horta e pomar, carinho que elas retribuíam com cantoria, e mais, com inspiração para crônicas. Numa delas, “Negócio de menino”, o Sabiá resiste às cantadas de um garoto de 10 anos disposto a tudo para que ele lhe venda o melro, o coleirinha ou o curió.
Numa crônica desdobrada em três – “Borboleta”, “Borboleta II” e “Borboleta III” –, o Braga é surpreendido, em pleno Centro do Rio de Janeiro, pelo voo bamboleante, hipnótico, de um delicado ser que lhe proporcionaria, além de fino espetáculo, título para uma de suas melhores coletâneas: A borboleta amarela, de 1955. Anos mais tarde, o naturalista Augusto Ruschi registrou como Physosiphon Bragae Ruschi outra maravilha deste mundo – e, por justa que seja a homenagem, há quem ache que o Braga merecia nomear, mais que uma orquídea, uma borboleta, amarela ou não.
O sabiá que não há nas suas crônicas foi pousar, um dia, no corpo de uma amiga com quem Clarice Lispector falava ao telefone, e, forçando o fim da ligação, provocou, em si mesmo e em seu improvável poleiro, uma “Taquicardia a dois” – título da crônica que ali nasceu: ficaram, um e outra, “tremendo por dentro – a amiga sentindo o próprio coração palpitar depressa e na mão sentindo o bater apressadinho e desordenado do sabiá”.
Batimentos cardíacos acelerados experimentou também Antônio Maria, a pouco mais de um mês do infarto que o fulminou numa calçada de Copacabana. No caso unilateral, a taquicardia foi motivada – está contado em “Tentativa de suicídio” – por seu corrupião, o Godofredo, com quem dividia “as delícias e glórias de um apartamento” de “quarto, sala e piscina”, e que, com enérgicas bicadas, fez desabar sua gaiola. “Ele cuidava mais de mim do que eu dele”, diz o cronista, e revela: “Projetávamos, no futuro, arranjar mulher. Uma para os dois”.
Otto Lara Resende, outro que infelizmente não iria longe, relata, a oito meses do fim, o misterioso desaparecimento de seu gato, em duas rodadas – “Volte, Zano” e “Fuga do borralho” –, as quais, sem demasias sentimentais, acenderam compaixão e solidariedade em inumeráveis leitores de sua coluna na Folha de S.Paulo.
Menos apegada aos bichos, domésticos ou não, Rachel de Queiroz soltou nos ares, em 1949, a ideia de tomar como símbolo nacional o urubu-rei. Outras nações, argumentou, não elevaram a tais culminâncias até mesmo um jacaré? Sessenta anos depois, pensando bem, não estamos livres de que um presidente, siderado pelos Estados Unidos, leia o “Urubu-rei” da Rachel, se lembre então da águia pousada nas insígnias norte-americanas e, na falta de algo à altura, sucumba à tentação de entronizar aqui, como símbolo nacional, o modesto sucedâneo que temos daquela ave de rapina.