As atrizes

Campanha publicitária da agência J. Walther Thompson para Modess, Cine Paulista, rua Augusta, São Paulo-SP, 26/02/1962. Foto de Francisco Albuquerque/ Acervo Instituto Moreira Salles.

Carlos Drummond de Andrade foi um apaixonado por cinema. A sétima arte o acompanhou durante toda a sua vida – que começou, aliás, apenas sete anos depois da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, na França, em 1895. Foi com uma crítica do filme Diana, a caçadora, que o adolescente Drummond estreou na imprensa, com 17 anos. E aos 85, pouco antes de morrer, dedicou o seu penúltimo poema, recolhido postumamente em Farewell, à atriz Greta Garbo: “Agora estou sozinho com a memória/ de que um dia, não importa em sonho,/ imaginei, maquinei, vesti, amei Greta Garbo”.

Estrela de primeira grandeza do cinema, Greta foi a grande musa de Drummond. Sua garbolatria era tanta que, certa vez, o poeta revelou ter sido dela não mero admirador, mas um amigo confidente. Em 1929, disse o nosso criativo cronista em “Garbo: novidades”, sentindo a necessidade de aplacar o tédio vital de sua rotina de star, a atriz “foi dar com sua angulosa e perturbadora figura na capital mineira”, em busca da paz das serras.

Para dar sustância à fantasia, Drummond arranjou até um álibi, delatando o poeta Abgar Renault, conhecedor da língua inglesa, como seu parceiro no esquema que acobertou Greta Garbo em Belo Horizonte. Os amigos se empenharam em proteger o anonimato da artista, que desejava sobretudo ficar só o que não se aplicava, naturalmente, aos seus gentis cicerones, que a levavam para cima e para baixo sob o disfarce de miss Gustafsson, uma naturalista de férias.

“Gostaria de ficar entre vocês para sempre, tirando leite das vaquinhas num sítio em Cocais. That’s a dream”, confessou-lhes Greta. Antes da partida, os dois a presentearam com um papagaio roubado do Parque da Cidade, que aprendera a dizer “Hello, Greta” e a imitar sua bela risada. “Como a vida passa!”, lamentou o cronista, saudoso de sua aventura cinematográfica.

Drummond não foi o único escritor a se engraçar com atrizes de Hollywood na imaginação. Vinicius de Moraes também publicou um palmo de prosa em que confessava um relacionamento juvenil com a alemã Marlene Dietrich, com quem se casara numa igreja da rua Lopes Quintas, no Rio de Janeiro, apesar do protesto da mãe, que considerava a nora “meio vigarista”. Anos depois, já desquitado da protagonista de O anjo azul, Vinicius rememorou o encontro com outra musa das câmeras na crônica “A bela ninfa do bosque sagrado”.

O poetinha servia como vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, e tinha sido arrastado para uma noitada na casa de um figurão de Hollywood por sua cupincha Carmen Miranda. Vinicius admirava a coragem da amiga de suportar “a tortura de se ter tornado um grande cartaz comercial” das telonas, tendo sempre de sorrir à boçalidade de poderosos da indústria. Naquela noite, no entanto, ela estava quieta, entediada pelos papos desinteressantes da high society.

O ambiente estava “nitidamente desgastado em álcool e semostração”, já naquelas horas da madrugada em que mais nada de bom pode acontecer. Vinicius, apenas “um modesto meteorito” naquela escalação de estrelas e astros, ia propor que tomassem o rumo de casa quando, de uma cortina entreaberta, “surge uma mulher espetacular”. Ela tinha “um soberano ar de desprezo”, mas ao reconhecer Carmen Miranda, aproximou-se cheia de elogios. Deparando-se com uma figura desconhecida, quis saber do poeta quem ele era. E antes de ouvir resposta, emendou, aproximando-se de seu rosto: “Do you think I’m beautiful? ”. Tendo ouvido a óbvia afirmativa, sorriu e saiu como chegou, de repente. Sem entender muita coisa, do lado de fora Vinicius perguntou à amiga quem era aquela estranha deusa: “É uma atriz nova que está entrando agora. Bonita, não é? Chama-se Ava Gardner”.

Bem mais contido foi o encontro de José Carlos Oliveira com Jeanne Moreau, um “monstro sagrado” das telas de Truffaut e Antonioni. Ela estava no Rio filmando Joana francesa, de Cacá Diegues, e Chico Buarque, autor do belíssimo tema do longa, convidou o cronista para conhecê-la. Como fundador da Joanologia, “ciência que investiga uma sequência infindável de jeaux de mots” inspirados pela grande dama, ele era digno do privilégio relatado em “Com Joana, a francesa”.

Antes de realizar o sonho do amigo, no entanto, Chico pediu que ele não se excedesse – contra Carlinhos, pouco “chegado às questões de etiqueta”, pesava o fato de ter adormecido nos ombros da atriz Romy Schneider, no Copacabana Palace, alguns anos antes. “Com Joana eu jamais faria algo errado”, preveniu o escritor: “Sinto-me feliz por ter ela desprezado fortunas para vir filmar no Brasil, sob direção de um brasileiro, contracenando com atores brasileiros”. O cronista cumpriu com a palavra e ficou quietinho a noite inteira, admirando sua musa.