O verão vem vindo; e vou a ele com certa alegria, esperando ter tempo e gosto para a praia; a minha hoje é a de Ipanema, que os coqueiros embelezam e mais embelezariam se fossem mais. Já vou me afeiçoando ao bairro e à sua gente; quem também se muda para lá é o Rodrigo; já se mudou o Paulo Mendes — e na mesma rua deste, que é Nascimento Silva (que sempre me dá saudades de sua (da rua) encantadora parenta que se chama Vera), desenha e medita o Carlos Leão. Cujo Leão deu-se-lhe na telha ser fazendeiro, e já comprou terras e gados para os lados de Valença, que são bons lados. Com esses, e mais o Aníbal Machado e o Echenique — sem falar de outros amigos que você não conhece — já podemos fazer uma boa chacrinha; vamos nos visitar em short e beber às vezes, pensando nos tempos idos, e falando bem das belas senhoras do bairro.

Quem voltou ao Rio, depois de seis meses de Europa, foi o poeta Vinicius de Moraes, que está em boa forma. O livro dele está custando a aparecer na editora A Noite; esse livro permitirá que um público bem mais amplo conheça bem o grande poeta que apenas pequenos grupos podem amar hoje.

Por falar em poeta, quem faz 50 anos neste mês de outubro, é Carlos Drummond de Andrade. Já festejei seu cinquentenário no ano passado, induzido em erro histórico por infames publicistas, que parecem ter pressa em ver o poeta envelhecer. Ele não deve ter gostado, mas agora e aqui lhe rogo que aceite o meu abraço verdadeiro.

Mas voltando a Ipanema, é indiscutível que o bairro se empobreceu muito com a mudança para S. Paulo de Tônia Carrero. Entretanto às vezes acontece, como neste momento, que ela volta ao apartamento antigo, reassume o nome civil e retoma seu lugar na praia — para que o sol, vendo seus cabelos, não se esqueça de ser louro, e o mar, vendo seus olhos, aprenda a ficar azul.

Veja você, Zico, estou muito lírico, ainda que bastante vulgar. No fundo, hoje estou deprimido; pela primeira vez em minha vida, e graças à camaradagem e paciência de Henrique Antônio La Rocque, dos comerciários, assinei a escritura de compra de um apartamento. Havia vários homens, um livro grande, como nos casamentos, mas uma escritura muito maior, lida devagar, cheia de cláusulas e de coisas que eu não entendo e que todas parecem vagamente ser contra mim. Inclusive (o procurador do Instituto me disse) eu só posso morrer daqui a um ano, por causa de um negócio de seguros — o que não chega a me aborrecer, mas de algum modo me constrange. Não existe mais liberdade individual.

No fim de tudo fui cumprimentado, mas me explicaram que ainda não paguei um tostão sequer do apartamento, embora já tenha pago tanta coisa para chegar a assinar aquele livro. É mesmo uma coisa extraordinária a propriedade privada. Outra coisa que dizem é que tenho de morar lá. Estou morando, mas será que fico 20 anos? Nunca na minha vida errante, me supus capaz de assumir um compromisso tão extraordinário. Enfim, quando me der na telha fazer uma viagem, embarcarei escondido de La Rocque.

O apartamento, Zico, só tem um quarto: mas na sala há um sofá onde você cabe ao comprido. Apareça, pois, que os amigos, as damas e o mar serão contentes. Um abraço do seu.

 
rubem-braga
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