Acabei, outro dia, de arrumar um novo livro de crônicas; ainda não sei quem será o editor, nem estou seguro de conservar o título que lhe dei – A borboleta amarela. São umas 70 crônicas escolhidas entre as que escrevi nestes últimos três anos.

Levei, sem exagero, alguns meses para fazer esse livro. Pedi e tive a ajuda de alguns amigos, mas acabei vendo que eu mesmo é que tinha de fazer a seleção final. Nunca me foi tão penoso esse trabalho como desta vez; foi com alívio que o dei por findo: com alívio, e sem nenhuma alegria, antes com essa mistura de tédio e remorso de quem sabe que não trabalhou direito.

O que deve ser bom é escrever um romance: escrevê-lo e depois trabalhá-lo devagar, cortando aqui, metendo uma palavra mais justa ou mais viva ali, suprimindo um capítulo, juntando outros dois, alterando a história, polindo as frases, até sentir que ele faz um todo harmonioso. Um romance é alguma coisa que se destaca do autor, que adquire uma vida independente, que tem suas leis e seu ritmo; é um todo, é uma composição, é uma obra; é, verdadeiramente, um livro.

Um volume de crônicas, não; é apenas um ajuntamento de páginas escritas aqui e ali, ao sabor das circunstâncias, e com a pressa de quem vive do que faz nas gazetas. Uma pequena multidão de coisas imperfeitas que ao mesmo tempo refletem a incongruência dos dias que passam e a monotonia do homem que se repete nos seus tiques, na sua substância e até nas suas incoerências.

O autor sente, inevitavelmente, um grande tédio de si mesmo quando compulsa esse falso diário, que nem sequer é autenticamente falso, é apenas falsificado — no sentido de que é uma distorção de sua imagem íntima e de sua vida vivida e não chega a atingir a dignidade da transposição literária.

E o trabalho de escolher é quase doloroso, tanto o obriga a decidir entre valores desiguais, quando é impossível ter um critério seguro: tudo o que se contém numa crônica boa, capaz de agradar, bem-feita e viva, está, às vezes, dito de maneira mais autêntica e mais perfeita em uma pequena frase perdida no meio de outra crônica, está mal-ajambrada, cacete, inferior.

O remédio é arrumar o livro de qualquer jeito e se conformar com a ideia de que ele não merecia ser melhor, tendo sido feito como foi; de que ele só tem de legítimo exatamente o que tem de impuro e descomposto; e de que, uma vez publicado, ele deixa de ser um problema para ser um fato consumado.

rubem-braga
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