Uma jovem me telefonou (a voz era fresca, sonora e lisa, como só as moças têm) para pedir que eu escrevesse contra um homem que vende passarinhos. Viu esse homem na rua Gonçalves Dias ou Ouvidor e ele tinha uma caixa com muitos passarinhos. Notou que ele abria a caixa e tirava um pássaro, sem que os outros tentassem fugir. Achou estranho. Um senhor que estava perto explicou: o homem cega os pássaros, ou com um alfinete ou aproximando de seus olhos, embora sem tocar, um ferro em brasa. Acha que assim o passarinho canta mais, e além disso deixa de voar, e desta maneira vende o bichinho com mais facilidade, porque o transeunte pensa que o pássaro é mansinho.

A moça telefonou para a Sociedade Protetora dos Animais. De lá alguém disse que já ouviu essa história, mas que é difícil localizar o homem, porque ele é ambulante e não tem ponto certo.

Creio que o comércio de pássaros do país é proibido, mesmo que o vendedor não seja ambulante e não pratique essa crueldade. Já tenho ouvido falar de outros processos: sujeitos que pintam os pássaros, que cortam músculos da asa, que embriagam o bichinho, tudo para iludir o comprador. Se é mesmo proibido, o caso é de mandar ao novo chefe de polícia o apelo da moça. O “rapa” fiscal ou policial é odioso quando prende inocentes camelôs, tantas vezes mais simpáticos e honestos que o “comércio estabelecido que paga impostos. etc.”; camelôs que não são apenas mercadores, são também artistas humildes das calçadas, capazes de pôr um sorriso na cara preocupada dos homens e um brilho de mistério e encantamento nos olhos das crianças. É verdade que às vezes vendem como coisa maravilhosa um aparelhinho que quando a gente chega em casa vê que não serve para nada; mas o prejuízo que eles nos dão é sempre modesto, e afinal eles gastaram honradamente gestos e palavreados, oratória e humour. Mas a grave publicidade das grandes agências americanizadas faz com frequência a mesma coisa em grande escala, tanto pelo rádio como pelo jornal; e isso para não falar dos outros camelôs, os cívicos, ainda há pouco alucinando a cidade com alto-falantes, cartazes e discursos a anunciar as próprias pessoas como produtos de primeira classe.

O regime é liberal, e afinal cada cidadão fica com o direito de não comprar esta canetinha-tinteiro, nem votar naquele varão de Plutarco. Mas esse liberalismo não pode proteger o homem ruim que judia com os passarinhos; este é um proxeneta ignóbil e sádico, e a ele deve ser legalmente equiparado. Aqui ficam, senhor coronel Geraldo de Menezes Cortes, o pedido e o apelo da moça. Governe com as moças a favor dos passarinhos, e com certeza irá para o céu mais depressa — se é que chefe de polícia pode entrar no céu.

rubem-braga
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