Em Paris nunca me animei a ir ver o túmulo de Napoleão, nem sequer entrei naquele feio panteão onde repousam Voltaire, Rousseau, Jaurès, Zola, Vitor Hugo. Mas fui vizinho do cemitério de Montparnasse, e uma vez lhe fiz uma visita, que recordo agora, nestas vésperas de Finados.
O que sobretudo procurei foi o túmulo de Baudelaire: encontrei-o junto ao muro que dá para a encantadora rua Emile Richard. Há, no alto, uma cabeça de pensador; há também alguma coisa que creio ser um morcego: e a estátua do poeta nos aparece deitada sobre o túmulo, o corpo envolvido em uma espécie de sudário apertado, como se fosse uma múmia. O todo é de um mau gosto bem da época, mas a cabeça tem sua dignidade; e confesso que ali, no cemitério deserto, na bela manhã outoniça, eu me comovi pensando no poeta. Um pequeno ramo de flores roxas estava, já meio seco, sobre a pedra: quem teria levado ali aquela humilde homenagem?
Saí passeando pelo cemitério, à procura do casal Pigeon; lera no guia que se tratava de um túmulo surpreendente e estava curioso; imaginei, pelo nome, que houvesse um casal de pombinhos sobre a laje.... De passagem vi alguns nomes ilustres, como Banville e Louis Veuillot; e me demorei um pouco junto a um grande túmulo em que havia, em relevo, a cabeça de uma bela e jovem mulher com um chapéu de 1850 e, gravados na pedra, alguns versos de amor. Uma inscrição dizia que ela morrera assim, moça e linda, e o marido, que fizera o túmulo, nele fora enterrado 30 anos depois. Não pude deixar de contemplar algum tempo aquela cabeça de mulher, de traços nobres, finos, delicados.
Afinal encontrei o casal Pigeon. Não, nada de pombos. Há um grande grupo, em bronze, com as duas figuras em tamanho natural. Madame Pigeon está deitada no seu leito, com uma camisola de rendas, a cabeça descansando em um travesseiro, um pouco voltada para a esquerda, os olhos abertos, um lençol vindo até perto dos seios. Ao seu lado, monsieur Pigeon. Está também em cima da cama, mas não estirado; apoia-se sobre um cotovelo, as pernas esticadas sob o lençol, e tem um pequeno livro na mão. Evidentemente lê alguma coisa para sua senhora enferma e o mais surpreendente é que está vestido, com paletó, colarinho duro e gravata. Deve ser um pouco mais velho que madame e usa bons bigodes. É tocante assim, aquele casal burguês. Por mais pitoresca e ridícula que possa parecer a ideia ― o fato é que o casal está ali vivo, eterno, na descuidada atitude de um momento familiar. Não se tem a impressão de um grande amor, antes de uma velha, terna, infinita amizade conjugal, uma grande doçura familiar. Boa gente, os Pigeon!
Antes de sair, ainda me detenho perante o túmulo de uma mademoiselle não sei mais de quê. Morreu há quase duzentos anos. Os que a perderam fizeram questão de apresentá-la em tamanho natural de pé, linda e fresca, sorrindo, os seios a saltar de um decote antigo, um ramo de flores na mão — como a querer dizer que a beleza e a mocidade, a ilusão de um instante, importam mais que a longa, a feia, a fria morte.