Ia por este mundo como um barco. Como um barco carregado de rãs doentes e aborrecidas, que tomavam sol. De formigas que espiavam as estrelas. De grilos sepultados no ouro do sol. De abelhas brancas, rubras e negras. De lagartos a chorar. De caracóis pacíficos que eram os burgueses da vereda. De um caracol que jamais rezava porque não tinha aprendido. E de cigarras que morriam bêbadas de luz.

Era uma vez um poeta carregado de infância. De rouxinóis com gotas claras em suas asas. De pombas cegas em bando, lançadas ao mistério. E das aranhas do olvido.

O sol era uma aranha de patas douradas. A estrela era luz feita canto. As árvores cantavam. E a canção da água era uma coisa eterna.

Os lírios ficavam secos quando o poeta ia triste. Havia papoulas no caminho. E alelis. E nardos. E rosas. E dálias. E até grandes cravos ensanguentados.

Pedia aos grilos que fizessem um bosque sonoro com suas flautas. Pedido de poeta. E os grilos faziam um bosque sonoro com suas flautas. As tardes tinham sede de sombra. A Luz tinha sede de luzeiros. A fonte cristalina tinha sede de lábios.

Ele, o poeta, tinha sede de aromas. De risos. De cantigas novas. De uma cantiga luminosa e repousada. Uma cantiga plena de pensamento. Ah, de uma cantiga luminosa e repousada, plena de pensamento.

Era uma vez um poeta carregado de iras e doçuras. De mel, que é como o velho frescor do outono. Do mel que é como o sol das manhãs. Que é doce como os olhos das crianças. Do mel que é como o segredo do beijo. E do grito.

Uma barca carregadinha de crianças. Uma vez deixou sua tristeza na rua para ver se as crianças a encontravam.

A Terra era uma laranja. A Lua queria ser uma laranja.

O silêncio era maduro de música.

O poeta era uma vez.

E a tarde desmoronava sobre piras de silêncio.

Sevilha. Córdoba. Granada. A árvore erguia-se cansada de ser poética. E profética.

Os choupos com o verde louco dos pássaros gloriosos. O poeta passava. Há poetas que olham pela vidraça. E há poetas que passam. Há poetas que lançam aos sapos um cravo mordido.

E o poeta passava. A caminho da água. Das torres. Dos sinos antigos. Dos bois, que têm um ritmo de sinos antigos. Dos bois que têm olhos de pássaro.

O poeta passava a caminho da vida. Do sangue. Da morte. A caminho dos touros. Dos gitanos. Do desesperado rei de Harlem, cujas barbas chegavam até o mar. Por um anfíbio caminho de cristais e loureiros o poeta passava. A caminho de milionários que davam às amadas pequenos moribundos iluminados.

Na sombra seus olhos se ofuscam. Imensa é a noite. Anjos negros revoam na brisa do poente.

Silêncio de cal e mirto. 

Malvas pelas relvas finas. 

O poeta caminha.

O poeta caminha até que o assassinaram em Granada.

Assassinaram o poeta Federico Garcia Lorca.

Em Granada.

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