Fonte: Flanando em Paris, Civilização Brasileira, 2005, pp. 55-56.  Publicada, originalmente, no Caderno B, do Jornal do Brasil, de 18/03/1964.

Minha solidão atual resultaria absurda à luz dos números: em Paris há 590 mil mulheres solitárias! Mulheres de todas as nacionalidades, de todas as idades, pobres bolsistas ou ricas herdeiras escandinavas. Nos trens elas vão pensativas; nos bares elas chegam, pedem um copo de cerveja, abrem um livro ou escrevem cartas. E é com fulminante velocidade que retribuem a graça de um olhar masculino. As diversas nacionalidades se confinam em verdadeiras colônias nos grandes bares: turcas com turcas, suecas com suecas, alemãs com alemãs. A hora amarga dessas mulheres é quando voltam para casa, quando suas botas de canos altos ressoam nos longos corredores do metrô, quando elas vão pegar o último trem e vão saltar numa rua deserta e vão rolar insones numa cama, na mansarda mais triste da Europa... A solidão às vezes mata; às vezes elas se suicidam. A dificuldade de comunicação reside no respeito sagrado que se tem, em Paris, pela intimidade alheia. Uma palavra mal empregada gera a desconfiança, e além disso cada qual está cheio de compromissos: consultam-se os respectivos calendários, amanhã você não pode porque tem aula, depois de amanhã ela não pode porque vai jantar com um casal de amigos, no fim da semana, você vai a Londres e ela talvez vá esquiar... Quando finalmente se reencontram, a simpatia penosamente cultivada já desmoronou. Os solitários ficam taciturnos, desistem, já não se interessam por ninguém. As mulheres sofrem mais, e é natural: não podem ir sozinhas a um cabaré, só vão ao teatro acompanhadas, um belo dia descobrem que há semanas não dirigem a palavra a um único homem. É a hora amarga. Há em Paris um telefone caridoso que a qualquer hora da noite responde com palavras de encorajamento ao apelo dessas mulheres, que ligam e balbuciam: "Perdão... Eu queria falar com alguém... Sinto-me tão só!" Mas nem todas consentem em magoar assim o próprio orgulho. Há algumas semanas, uma bonita moça de 26 anos se atirou sob as rodas de um caminhão. Não morreu; declarou que mais tarde tentaria novamente destruir-se. Não conhece ninguém, anda sem destino pelas ruas, ninguém a ama, ninguém lhe faz carinhos...

Forasteiros! Aqui a solidão só não devora os seus filhos diletos. Longo e dorido é o aprendizado; sem distinção de sexo, a cidade impele cada qual ao encontro de sua própria angústia.

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