Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II. p.512. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 11/03/1922 e, posteriormente, no livro Coisas do reino de Jambon, Brasiliense, 1956, p.184.

Em Niterói, segundo li no O Estado, o carnaval esteve supimpa. Para mim, Niterói é assim como o Méier ou a Gávea; mas a Praia Grande teima em não ser um arrabalde do Rio de Janeiro e quer ter vida própria e independente. Pelo menos é o que me diz o Olavo Guerra, citando-me a sua Academia de Letras, que não quis em seu seio o único literato niteroiense que eu conheço; o Manuel Benício.

Isto tudo, porém, não vem ao caso. A questão é que Niterói teve um carnaval supimpa e original. O Estado do Mário Alves muito contribuiu para isto. Pôs a prêmio os “cordões”, “blocos” e “ranchos” locais, promoveu batalhas de confetti e a coisa ficou ótima. O mais interessante disto tudo foi que houve lá um gesto originário por parte de algumas moçoilas que organizaram um “grupo” em que não havia cantarolas. Elas marcharam pelas ruas solenemente silenciosas, empunhando ramilhetes de flores, como se acompanhassem um enterro, e, silenciosas, se dirigiram à redação do O Estado, onde entraram debaixo do maior silêncio, tal e qual se entra no São João Batista, no Caju ou, mesmo, no Maruí.

Dentro da redação, encaminharam-se para o gabinete do secretário Noronha Santos, deitou uma delas um discurso e depositou sobre a mesa do simpático um bouquet de flores; e, para que a cousa não fizesse escândalo e levantasse ciúmes, as outras, menos graduadas, depuseram outros ramilhetes sobre as mesas dos demais redatores, repórteres e contínuos.

É assim que fazem as almas piedosas nos cemitérios. A morte nos iguala a todos.

lima-barreto