— O importante, dizia-me, é cuidar dos níqueis, sementes metálicas da fortuna; o resto vem por si. Quanta gente há por aí que toma refresco e cafezinho sem o menor motivo! E quantos desprezam o embrião de um bonito pecúlio, apanhando gripe e bronquite nas salas refrigeradas dos cinemas! Perdem tempo e dinheiro e, como diziam os antigos, em inglês, time is money. Esta verdade está ficando cada vez mais patente.
— O senhor costuma ir para a cidade, perguntei, já adivinhando-lhe a resposta, de ônibus ou de bonde?
— De bonde elétrico, é claro.
— Pois o senhor está perdendo time, isto é, money.
Riu-se com uma careta de sagacidade.
— Eu me levanto um pouco mais cedo. Minha teoria é que todo mundo pode ficar rico, mas o dorminhoco sempre será pobre, a não ser que tenha a boa estrela de um casamento rico.
Quis saber se ele era contra o casamento pobre:
— Propriamente contra não sou... Desde que as famílias se constituam nos moldes europeus, isto é, várias gerações moram sob o mesmo teto, e todos se privam de muitas coisas durante alguns anos a fim de tomar o caminho da fortuna. Nessas famílias unidas o mealheiro cresce ininterruptamente. Já dizia um adágio que “onde comem três, comem quatro”; podemos ir além: “onde comem seis, comem dez ou doze”. Mas no Brasil as famílias são desunidas. Conheço uma que passou cinco telegramas de felicitações a um casal de noivos, quando poderia ter passado apenas um, em nome de todos. Cinco em vez de um!
Continuando a demonstrar sua admiração por certos hábitos europeus, prosseguiu:
— Sei de um comerciante que jamais comprou papel para seus apontamentos: nas costas da folhinha, que se tem mesmo de arrancar todos os dias, fazia os seus cálculos. Belo exemplo! Consta também que em Paris — a cidade luz — ninguém toma banho exageradamente. Conheci outro estrangeiro que riscava o fósforo e guardava: alguma economia isso devia representar, embora não tenha atinado bem com ela.
Pareceu-me que se lembrava agora de algum episódio muito grato a suas recordações; e era verdade.
— Há muitos, muitos anos, uns amigos meus me convidaram para tomar um cafezinho num dos melhores estabelecimentos da antiga avenida Central; ia conosco um cavalheiro, que fiquei sabendo ser um oficial de elevada patente do exército de uma nação europeia. Pois creia o senhor que gostava a tal ponto do nosso café que bebeu tudo que se derramara no pires?! Na Europa é que se sabe! Lá, as famílias inteligentes, quando comem carne, uma vez em quinze dias, guardam os ossos para vendê-los a quem os aproveite na fabricação de adubos ou de botões; as roupas usadas são também vendidas, depois de numerosas e hábeis transformações; dos pedaços de meias, que não apodreceram, fazem lindos agasalhos contra o frio. Uma coisa é certa: em hipótese alguma jogam objetos no lixo. No Brasil, mercê de nosso coração sensível, costumamos dar a amigos mais pobres esses objetos aparentemente imprestáveis. Isso chega às raias do sublime! Mas é um erro quando não somos bilionários!
— O senhor não acha que esses trastes poderiam ser dados aos pobres do morro?
— Qual! Nem sempre quem mora no morro é indigente; há crianças de morro que nos pedem dinheiro para matar a fome e vão ver um filme de mocinho.
Resolvi colocar-lhe uma questão desabusada:
— O senhor deixa no restaurante o que não come?
— Almocei pela última vez num restaurante em 1928. Claro que fiz um embrulho das fatias de pão e salame que não consegui comer. Se já estavam pagos!
Experimentei-o em outros assuntos.
— Em geral, sou contra a publicidade de médicos, dentistas, advogados; se fazem propaganda, têm de cobrar mais caro, espantando os clientes; enquanto isso, seus competidores, modestamente, na calada, vão-lhe tomando a freguesia.
Era igualmente contra o chapéu, o sobretudo, a capa, tinha ódio pessoal ao cachenê, ao lencinho de bolso e ao colete (salvo no caso dos diplomatas). Não esbanjar nessas e em todas as outras coisas era formar o capital para a compra de um prédio ou de uma fazendola. Pensava também que todas as pessoas deviam encher as horas vagas com alguma ocupação rendosa, às vezes agradabilíssima, como no caso dos felizardos que sabem tocar flauta ou qualquer instrumento e ganham dinheiro divertindo os outros, coisa linda. Demonstrou-me que eu podia ganhar milhões cultivando orquídeas ou fabricando pastéis. Observara que os estrangeiros entendem em geral de filatelia, não para passar o tempo, mas com olho no lucro. Também a numismática tem servido a muita gente boa de veículo à abastança. Aconselhara uma vez a uma de nossas muitas Marias Candelárias, que recebia sem ir ao Ministério, a bordar para fora, e ela achara graça:
— Lancei uma semente de ouro num monturo.
Provocando-o, quis saber como poderia um motorista de caminhão, que não soubesse fazer outra coisa, ganhar uns cruzeirinhos por fora. Fui infeliz.
— Dando aulas de choferagem.
— E um encerador de casa analfabeto?
— Torrando amendoim.
O velho era de morte.
— O negócio é ter bom-senso. O senhor sabe de uma? Conheço pais desmiolados que, antes do filho nascer, já adquiriram inúmeros artigos para essa hipotética criatura. Até brinquedos compram!
Escandalizado, trêmulo de horror, continuou a esmagar-me com esse exemplo definitivo da extrema prodigalidade:
— Antes do filho nascer! Antes do filho nascer, o senhor entendeu bem?!