Imagens das letras
Chego tarde para fazer promoção dos quatro livros da Editora do Autor, praticamente esgotados. Nem era minha intenção recomendar essas obras ao público de língua portuguesa. Minha intenção é mesmo oposta: evitar que saiam uma segunda, terceira, sétima, uma não-sei-quantas tiragens desses escritos abomináveis, lançados pelo processo insólito de quatro em um (pacote).
Entre as obrigações do escritor público, capitula-se a de alertar a coletividade sobre os males e perigos que possam incidir sobre a dita. Assumo o exercício desse dever notificando a todos, que o não fizeram ainda, que não devem adquirir e muito menos ler essas obras perniciosas, intituladas O homem nu, de Fernando Sabino; Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga; O Cego de Ipanema, de Paulo Mendes Campos; e Antologia poética, de Vinicius de Moraes.
Perniciosas, eu disse, e quem quer que abra ao acaso uma página de tais volumes sentirá ao vivo a justeza da qualificação. São livros destoantes da pauta, contrariam maliciosamente normas cunsuetas da nossa literatura e espalham uma poeirinha atômica de desagregação.
O fato de Braga, Sabino, Campos e Moraes escreverem de maneira toda pessoal, de não se confundirem com quaisquer outros já é bastante para despertar repulsa. Destacam-se do rebanho, o que é próprio de ovelhas negras.
A crônica e a poesia têm caminhos batidos, por onde autor e leitor podem trotar folgados e em paz com as instituições seculares, as ideias adquiridas e os nobres sentimentos. Esses caminhos podem até ser cheios de atrações, brilhos e vidrilhos; o essencial é que não conduzam a lugar nenhum.
Paulo, Fernando, Rubem e Vinicius se dão ao luxo de abrir picadas próprias; pouco ligam para a opinião e gosto dos outros; cultivam seus gostos e opiniões, veem, pensam, sentem, dizem como querem, e ninguém se atreva a pedir-lhes contas. Deixam impressão, bolam com o leitor. É uma falta grave.
Dos três cronistas, não sei qual o mais digno de censura. Braga, num arranco de mau humor, chega a profetizar a destruição total de Copacabana, com todos os seus moradores e pertences, anunciando cenas de apocalipse, com os siris comendo cabeças de homem fritas na casca, no Petit Club. No momento em que procuramos erguer o estado da Guanabara, esse capixaba, tão bem acolhido em nosso território, promove o pânico, desvia o turismo, e força a baixa no comércio de imóveis.
De Campos é suficiente dizer que se compraz em matar lagartixas e em descrever o processo bárbaro de extermínio de seres inocentes: a bordoadas. Poupou uma, porque lhe disseram que dá sorte; se não der, está liquidada. Mauzinho, o rapaz. Atrocidades, só na Argélia, contra os nativos, etc.
A Sabino lhe agrada explorar situações ridículas, zombando de uma pobre Dona Carolina, que quase morre engasgada com uma vértebra de peixe e que a exibe como lembrança; caçoa dos diretores de banco, reunidos para discutir problemas administrativos e que acabam ouvindo o jogo de futebol na Europa através do rádio transistor. Enfim, satiriza o que temos de mais circunspecto. Quanto ao poeta Vinicius, todo o mal já foi dito; seu maior pecado é restaurar o amor na dimensão infinita, sem consideração a nossos recalques e preconceitos. Penso no caráter diabólico de poemas como “Receita de mulher”, que está no livro, e que ninguém deve ler sob pena de sair para a rua louco de emoção erótica, e irrecuperável.
Além de tantos defeitos, os quatro escrevem com arte peregrina e inimitável, inspirando à gente desânimo, inveja e ciúme terríveis, como aconteceu comigo. Por tudo isso, lanço-lhes o meu anátema.