O homem nasce um velhinho em miniatura — pele enrugada, sem dentes, sem cabelos — e, quando passa dos 50, disfarça o medo do fantasma assobiando no escuro.
Outro dia um programa de tevê focalizou a velhice e os seus desafios. Dos idosos interpelados, nenhum aceitou ser velho, e todos declaravam exaltados: “A idade não importa, o que vale é a cabeça jovem”! “Não me troco por nenhum moço desses”! Trocavam-se, sim, e como. Ninguém acredite nessas veemências: não se pode comparar as possibilidades de um velho às possibilidades de um moço.
Tenho a impressão de que ficar velho é semelhante ao processo que se opera na criança recém-nascida — apenas invertido. A cria humana nasce de pele enrugada, sem dentes, sem cabelo, olhos baços, ossos fragílimos. É um velhinho em miniatura. Passado um mês, o bebê se regenera e adquire o aspecto que esperávamos dele — a pele estica e clareia, aparece o cabelo, os olhos se iluminam; com pouco mais nascem os dentes e o bebê deixa de ser miniatura de velho para ser ele mesmo, em toda a sua glória.
De bebê passa a menino, e vem a fase do esplendor físico: infância, adolescência, mocidade, até a madureza. Aí, pelos 50 em diante, começa lento, mas implacável, o trabalho do envelhecimento. Em geral se inicia pelos cabelos e pelos dentes. Ao contrário dos primeiros tempos, quando tudo se renova, os dentes que se perdem não têm mais substituto. Por isso, o maior orgulho do velho é conservar os dentes, alguns, pelo menos, porque a regra é o pivô, a ponte, a prótese — a dentadura, com perdão da má palavra.
O cabelo, quando apenas embranquece, ainda bem. Pinta-se, querendo. Mas, quando cai, não há remédio. Raros tentam a peruca, preferem alegar que é calva “precoce”. A essas alturas já se instalaram as rugas: as duas grandes que fazem parênteses em torno da boca; as chamadas “rugas de riso”, que se abrem em leque no canto dos olhos; e as infames ruguinhas que se franzem ao redor dos lábios. Sem falar na testa que, à menor mudança de expressão, assume uma orografia regular e paralela, de tábua de lavar roupa. Como a do rosto, a pele do corpo também enruga e fica flácida. Até nos atletas envelhecidos que mantêm os músculos rígidos. A gordura ajuda a esticar a pele, mas ai! Transformada em obesidade, é a mais feia das deformações.
E o pior dessa decadência é que ela não tem retorno. É irrecuperável. Ginástica, cirurgia plástica (ou “cosmética”), corrida, bicicleta, dieta, é tudo paliativo. E não se falou no que anda lá por dentro — artérias, coração, fígado e demais vísceras menos nobres. A libido e seus componentes, misteriosamente ocultos sob os véus do “foro íntimo”. No sertão se diz cruelmente: “Velho não tem carreira”.
A sorte é que a natureza, sabiamente, leva décadas e décadas nessa campanha de desgaste, só para que a gente se acostume a ela. Processo que visa apenas a um fim: a preparação para a morte.
Já pensaram se as pessoas se conservassem em robustez e beleza até que chegasse o dia terminal, marcado pelo seu código genético?
Qual seria o choque, o desespero, a revolta, a recusa do que estivesse morrendo e dos que o vissem morrer? O mesmo se passa quando morre um moço na chamada flor da idade. Ninguém aceita. “Meu Deus, tão moço, por quê”?
Contudo, se o moço é doente, vamos nos conformando: “Estava sofrendo, coitadinho! Melhor assim”!
Pois o velho sofre da grande doença que é a velhice. De pouco em pouco, vai perdendo tudo: a carne, a força, a centelha. De repente não tem mais nada.
Ah, ninguém acredite na arrogância juvenil dos velhos. Eles estão apenas assobiando no escuro. O fantasma está ali, atrás da porta. Eu sei.