O brasileiro gosta de samba, futebol, pouco trabalho e muita folga, de acordo com o estereótipo. Mas o que existe por trás do pitoresco e do folclore?

De que o brasileiro gosta? Certa amiga minha, socióloga, prepara uma tese com esse tema. Vamos dar-lhe uma achega.

Segundo o estereótipo, o brasileiro gosta de samba, futebol, pouco trabalho e muita folga. Espécie de sonho de Macunaíma, atribuído especialmente ao carioca. E, se formos por definições regionais, gaúcho gosta de chimarrão, paulista de trabalho, mineiro de politicar, baiano de trio elétrico, cearense de arribar e correr mundo, maranhense de versejar, etc. Mas, saindo do pitoresco e do folclore, de que gosta mesmo o brasileiro?

Há as preferências rurais e as urbanas — bastante diversas. O futebol é paixão essencialmente urbana. No mato não se pensa em futebol, nem mesmo depois que a eletrificação rural trouxe a TV. Jogo do bicho, também. Ninguém pode jogar onde não há corretor zoológico. Nem a loto, a sena, a loteca, pelas mesmas razões.

Sim, mineiro gosta de política. Pois que o mineiro rural nunca é tão rude quanto os outros matutos brasileiros. A lavra do ouro penetrou profundamente naquelas montanhas, deixou uma tradição cultural, a arte barroca metida “mato dentro”, como eles dizem. O nordestino pode ser tomado como um bloco, com suas variantes regionais; é aventureiro, nômade, nostálgico. Pelo menos é esse o estereótipo. Mas, do nordestino, o que se deve anotar, principalmente, é que ele é pobre. Não falo das cidades grandes, onde há riquezas. Nem no saudável agreste pernambucano, ou no brejo, o país das usinas de cana. Tirem-se também os vales dos grandes rios, mormente o São Francisco, onde já existem as bases de uma agricultura moderna. Nem nas serras frescas onde se planta o café e a cana. O resto é praia e sertão, o semiárido, seis meses seco, mesmo nos anos de bom inverno. Nessas regiões, como nas outras da Amazônia e do Centro-Oeste, a vida é só da mão pra boca — quando há o que levar à boca. O padrão de vida é ínfimo, quase igual ao do avô índio. A casa é sempre de taipa — quatro forquilhas nos cantos, paredes de sopapo, telhas ruins, em cima de ripas de varas. Fogão de barro, montado em jirau de varas. Com as matas nativas se acabando, as construções ficam cada vez mais feias e tortas — já não há como escolher a forquilha linheira, a cumeeira de madeira de lei. Vai lá tudo como se acha, e tudo é ruim. E raro.

Coisa idêntica tem acontecido com as favelas da cidade grande. Talvez porque os favelados sejam quase todos de origem rural e, não dispondo de material normal de construção, erguem aquelas gaiolas de pau na encosta dos morros, tão instáveis que não resistem a uma chuvarada grossa.

Nem sei quem será mais pobre — o sertanejo ou o favelado. Ambos melhoram padrão de vestir com a calça de brim e a sandália japonesa. Mas todo mundo é magro, malnutrido, tanto lá como aqui. Se os urbanos sonham mais com o consumismo e se desviam para bandidagem, os do campo nem essa fuga têm. Pelo menos ainda não chegaram ao sertão os assaltos, os sequestros, a droga, essas coisas. Um roubo de bode, até de uma vaca ou de um garrote — não mais. Como ele dizem: roubar o quê?

E a quem?

E se perguntando a essa gente de que é que eles gostam, o que querem, com que sonham — no morro ou na caatinga —, a resposta primeira é a mesma: que eles querem mesmo é comer. Três vezes ao dia, café, almoço, janta — e dormir de barriga cheia, debaixo, se possível, de um telhado seguro.

rachel-de-queiroz
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