Quando o Vasco se oculta na penumbra, a gente também entra em recesso, não por covardia ou desamor, é evidente — mas para não topar provocações de flamenguistas, botafoguenses ou pós de arroz fanáticos. Pois o que caracteriza os vascaínos é o seu amor consciente ao grande clube, não aquela paixão cega e desarrazoada dos outros. Quando escolhemos o Vasco foi porque, depois de lúcida deliberação, nos convencemos de que ele é o grande, o máximo, superior a todos, transcendendo de disputas e competições; não somos levados pelo fanatismo como os demais.

Ser vascaíno é ser discreto, é ser convicto da nossa superioridade, tranquilamente, sem alardes. A gente não precisa sair gritando por cima dos telhados que é Vasco, afinal, não se quer humilhar ninguém. Mas quando as vitórias se acumulam, os adversários mordem o pó e as outras bandeiras se curvam ante o pendão da cruz de malta —, aí não há modéstia que aguente; por mais pena que se tenha dos vencidos, a verdade precisa ser clamada, e temos que lançar nos ares o nosso grito de guerra. VAAAAASSSSSCO!

Foi no dia 21 de agosto de 1898 — acaba de fazer 72 anos — que, às duas e meia da tarde, um grupo de brasileiros e portugueses, reunidos num prédio da rua da Saúde, n° 293, fundaram o Clube de Regatas Vasco da Gama. E só a escolha do nome — Vasco da Gama — demonstrava a superior inspiração que animava os fundadores do novo grêmio esportivo. Ninguém ia atrás de reivindicações de bairro ou de rua, não se procurava a glorificação regionalista de personalidades importantes de Portugal ou do Brasil. Escolheu-se como nosso padrinho aquele que, transcendendo da sua qualidade de lusitano, é reconhecido como um herói do toda a humanidade. O navegador que descobriu para a Europa —, confinada entre o temor do oceano a oeste, e o temor do Mongol a leste, — o grande caminho verde e marinho que leva ao Oriente através do Ocidente. E assim, só com proclamar o nome do seu patrono, os fundadores do Vasco já lhe estavam traçando o destino. Porque a grandeza vem do berço; pode a estrela que marca um nascimento ficar momentaneamente escondida, mas lá está brilhando, por trás das nuvens. E a nossa estrela vascaína já brilhava naquela tarde de agosto, há 72 anos atrás. Tomamos como armas a caravela do Navegador, a ostentar a cruz de Cristo portuguesa, enquanto corta o mar oceano; e nessa bela divisa está simbolizado inteiramente o Vasco: Portugal está todo na cruz dos navegantes, e o mar é este mar do Brasil, mar tenebroso de dantes, que os marujos portugueses souberam transformar num simples estreito, a unir, não mais a separar a ponta extrema da Europa, que são eles, à ponta extrema da América, que somos nós.

Nessa vida já longa temos tido muitas horas de grandeza, a par de momentos de penumbra. Lembro o bicampeonato, de 1923-24. Campeão de Terra e Mar em 1945. Em 48 vencemos na Argentina o Campeonato Sul-Americano dos Campeões, que representou a primeira grande vitória do futebol brasileiro no exterior. Em 57, outro triunfo internacional, a Taça Herrera, em Bilbao. De 50 a 60 passamos por um período mais discreto, quanto ao quadro titular, porém ganhamos inúmeros títulos no esporte juvenil, a que então nos dedicávamos com maior afinco. Mas em 65 já voltávamos às vitórias espetaculares, como Campeões do Torneio do IV Centenário. Em 69, já antevendo a campanha deste ano, saímos vice-campeões no Robertão — e continuávamos sem descuidar os juvenis, sendo o seu campeão carioca.

Agora, em 1970, marchamos tranquilamente para o campeonato. No momento em que escrevo, temos apenas dois jogos pela frente, Botafogo e Fluminense. A vitória parece certa. Mas se a fortuna do esporte, tão semelhante à fortuna da guerra, por um acaso injusto nos arrebatar o triunfo (e, nestas alturas ninguém acha possível tão cruel desastre), não nos falhará a fibra: quem nasce campeão, sempre se comporta como campeão, mesmo nas horas amargas em que a sorte cega entrega os louros a outros menos merecedores.

E VIVA O VASCO!

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