O menino nisei sentou no banco do jardim. Teria uns 11 anos, comia sossegado o seu sanduíche de queijo. Duas menininhas, uma morena outra ruiva, que pulavam amarelinha, chegaram junto dele e gritaram:

— Japonês! Japonês! Você quer dizer as horas pra nós?

O menino olhou o pulso, disse que eram nove e meia e acrescentou:

— Eu não sou japonês. Sou paulistano, nasci aqui, no Jardim América.

A ruivinha, mais velha, coçou um borrachudo na canela fina:

— Se você não é japonês, teu pai é. 

— Não, meu pai nasceu em Batatais. 

— Então tua mãe.

— Ela também nasceu em Batatais.

A menor, moreninha, fez o comentário óbvio:

— Nós te chamou japonês porque tu tem cara de japonês.

— Meu avô é que era japonês. E a minha avó. E acho que os meus tios.

— Só eles?

— Só.

A pequenininha estava maravilhada com aquele milagre biológico:

— Nunca vi pessoa ser brasileiro e ter cara de japonês. Eu pensava que brasileiro era tudo igual.

A maior ensinou:

— Nem todo brasileiro é igual. Negro é brasileiro e é diferente.

— Negro é africano, observou, com certa malícia, o que chamavam de japonês. 

— Como é que você sabe? 

— Aprendi na aula.

— Na minha rua tem muito judeu. Nós tudos somos judeu, contribuiu a ruiva.

— E onde é a terra de judeu, quis saber a outra.

— Meu pai veio da Rússia. E o meu avô. A minha mãe veio da Polônia.

— Então esse negócio de judeu é besteira. Quem vem da Rússia é russo. E na Polônia dá é polaco. — O menino falava com grande autoridade.

— A minha mãe disse que a gente fala polonês. Polaco é feio.

— Pode ser. Polonês. Mas judeu?

A moreninha interveio:

— Judeu vem da Judia.

Não tem país chamado Judia, doutrinou o nisei.

— Como é que você sabe? Você conhece todos os países do mundo?

— Todos. Estou no curso de admissão. Já dei na geografia.

— Meu pai diz que a terra dos judeus se chama Israel, lembrou então a ruiva.

— Então como é que ele é da Rússia? 

Mistério. Os três se entreolharam. Afinal o rapaz sugeriu:

— Só se é mentira do teu pai.

— Mentira do teu! Teu pai é que é um japonês mentiroso!

— Já falei que o meu pai é brasileiro. 

A outra menina pacificou:

Não xingue. Eu também sou brasileira. Eu nasci em Campos. E minha mãe nasceu em Campos, e o meu irmão, e o meu pai, todo o mundo na minha casa nasceu em Campos. 

A ruiva riu:

— Tudo é campeiro?

— Não, a gente diz é campista. Campos fica no estado do Rio de Janeiro.

— Agora lá se chama Guanabara, sentenciou o menino.

— Não, não é Guanabara. Estado do Rio é outra coisa.

— Então tem dois Rio?

— Não, agora só tem um. Não falei que o Rio de Janeiro virou Guanabara? Também diz Velhacap.

A menina ruiva ficou a olhar um momento os dois outros:

— Acho que campista também parece com japonês. Só não tem o olho arrebitado. 

— Minha mãe diz que nós temos sangue de índio, contribuiu a campista.

E o paulistano contou:

— Meu pai uma vez viu um índio e pensou que fosse japonês fantasiado. Falou para ele em língua de japonês, mas o índio não entendeu nada.

— Mas você não disse que seu pai é de Batatais?

— É. Mas filho de japonês sabe falar a língua do pai.

— E você sabe? Fala um pouquinho pra gente ver! 

— Não sei. Puxa, já disse tanta vez que sou paulistano!

A moreninha deu um salto:

— Pois eu sou é Corinthians! 

— Ninguém está conversando futebol, boba.

Houve um silêncio.

A menina menor indagou então:

— E onde é o lugar onde só tem brasileiro?

Os outros dois ficaram um tempo pensando, olhando uns pombos que bicavam na areia. Afinal a menina maior falou:

— Gente grande é muito misturado. Acho que deve ser no lugar onde só tem criança.

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