Afinal acabaram descobrindo quem matou Rubens Berardo; o criminoso já confessou, era um assaltante comum. E este triste episódio criminal me tem levado muito a meditar na crueldade do noticiário de imprensa quando ocorre um crime desses, aparentemente misterioso. Na ânsia do sensacional, põem-se em letra de forma as hipóteses mais absurdas. Não se poupa o sofrimento dos parentes do morto, não se olha a reputação de ninguém, arrasta-se pela rua da amargura o bom nome da família ferida. Como se não bastasse a dor da bruta morte que a atingiu, a família ainda se vê maculada pelas hipóteses mais injuriosas. Dia sim, dia não, a imprensa descobre um culpado ou, antes, fareja um “culpado”. Sem provas, sem nem indícios veementes indicando a culpabilidade do infeliz, baseada em simples palpite de um delegado, em deduções de uma vizinha, em vagas acusações de um empregado ressentido. No caso Berardo, por exemplo, aquele pobre homem desquitado de uma parenta, embalde apresentou álibis, embalde protestou inocência — foi atirado às feras pelos jornais como se fosse o matador comprovado e condenado. E quando, timidamente, alguém da família duvidou de que ele fosse realmente o assassino, imediatamente se transferiram as suspeitas para o próprio círculo íntimo do morto, “já que estavam protegendo o principal acusado”!

Devia existir uma lei que protegesse os inocentes contra esse enxovalhamento injusto, contra esse festival de suspeitas que se difundem levianamente, em pura ânsia de sensacionalismo. Só se devia apresentar um cidadão como suspeito quando na verdade houvesse contra ele acusações veementes, apoiadas em legítima, autorizada e verídica pesquisa policial. Não é humano, não é possível, ficarem os jornais num verdadeiro concurso de palpites a qualquer morte suspeita — deve ter sido a mulher — quem sabe ela tinha um amante? Ah, a mulher é velha — terá sido então a filha? Ou ele tinha uma amante escondida — quem sabe foi um marido enganado? A secretária dele, d. Fulana de Tal (vide foto à esquerda) chorou muito no enterro? Quem sabe foi abandonada e o matou — e logo a manchete: “A polícia desconfia da secretária”. Naturalmente a secretária é inocente, mas, abandonada a hipótese que a incriminava, ninguém se preocupa sequer em reparar o prejuízo moral infligido à pobre mulher.

O rapto daquele meninozinho, Sérgio, lembram-se? Chegaram a atribuir ruidosamente a culpa até à mãe e ao pai do garoto. Os “indícios” eram porque a mãe o vestiu obedecendo aos raptores, e o pai se mostrou muito pressuroso em obter o dinheiro do resgate!

É horrível isto. Já não basta desgraça numa família; além da dor, ainda é mister que se enfrente a suspeita, a calúnia, a difamação inconsequente.

Tem que haver uma lei. Dessas que funcionem, que assustem os levianos, os malvados; ou os exibicionistas que, para verem seu nome e seu retrato em folha de jornal, não se importam em atassalhar o bom nome de ninguém.

rachel-de-queiroz
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