Depois de ir ao São João Batista, fiquei lembrando os cemitérios de Paris. Não digo que estes não façam lembrar a morte, mas não se parecem com os cemitérios das nossas cidades, ainda vivos, com seus mármores limpos e sepulturas recentes. Não se parecem também com os nossos cemitérios do interior, despojados, batidos de sol, onde nos surpreende o anonimato dos mortos.

Os cemitérios de Paris estão mortos. Há novas encomendas, mas isso não lhes altera a perceptível harmonia entre os elementos paisagísticos e o sentimento, a que, à falta de melhor habilidade para combinar palavras, chamamos medo da morte.

Pisando o cemitério de nossa terra, estremecemos um pouco. Ele nos pertence, nós pertencemos a ele. Em um cemitério estrangeiro, esquecemos a morte. Os túmulos, as árvores, as cruzes se integram em uma ideia mais pura, de descanso. Serenos, podemos nos aproximar com palavras mais claras e interrogá-la: Morte, onde está tua vitória? São obscuras as respostas da morte, mas o hábito de ouvi-las acaba lhes criando uma paródia de sentido.

Nenhuma hostilidade nos cemitérios de Paris. Neles, um homem, um homem comum, sem contatos particulares com o invisível, pode chegar-se para perto da morte e apalpá-la, com as mãos de um cego tateando um animal. Morte, és um dragão domesticável.

Nomes de gênios e heróis preparam certa boa vontade com a morte nos cemitérios de Paris. E também os plátanos, amenizando o simbolismo rigoroso dos ciprestes, a sombra que desloca, a sugerir transmutação e movimento e, dentro desse fluxo e refluxo próprios à natureza, a nossa presença temporária. São também os que se beijam e se amam entre túmulos, são os que estudam e confiam, são as crianças, elementos da vida, tão naturais ali perto da morte, que aceitamos melhor a ideia de desaparecer.

Impressionam também os velhos, sempre numerosos, sentados pelos bancos. Observei-os com a curiosidade meio maníaca que tenho pelos velhos. Nunca falam entre si, devem conversar apenas com a própria morte, a morte pessoal de cada um. São calmos e naturais, como se da vida à morte existisse apenas o ligeiro aborrecimento de uma correspondência de metrô.

Nunca me esquecerei de uma velhinha que vi no cemitério de Montmartre, de sua cara branca, de seus óculos, seu vestido preto, de seu andar lento a pender para a esquerda, onde só o expediente de uma bengala podia sustá-la de um tombo definitivo na terra.

Já era tarde, hora de fechar. Não havia ninguém perto de mim. Apressei-me no caminho de um dos portões e, ao dobrar uma aleia, dei com a velhinha se arranjando em direção oposta, para dentro do cemitério! Carregava umas flores feias e velhas. Nesse minuto em que o adulto desaparece em nós e a criança surge imperiosa confesso que tive medo da velha, porque me pareceu que ela voltava para a sepultura. Um segundo apenas, mas um instante de medo, como um instante de beleza, a gente guarda para sempre.

paulo-mendes-campos
x
- +