Estão derrubando uma casa aqui perto. Era uma casa bem grande para Copacabana, com janelas e portas azuis, quintal, árvores bonitas e flores. Tinha um ar de casa feliz até que organizaram uma incorporação contra ela. Estava ainda inteirinha quando apareceram dois homens, um alto, magro, o outro baixo e de cabelos brancos. Informaram-me que eram dois especialistas em demolições. Esses quatro olhos profissionais percorreram todos os aposentos e dependências. Avaliaram os marcos, ponderaram o valor das pias, dos portões, das ripas, dos vidros. Fizeram, enfim, o inventário de tudo que seria, aproveitável. A casa ia desaparecer. Entraram logo depois a jogá-la ao chão. Já arrancaram algumas janelas, fizeram buracos grandes nas paredes. Em breve, vão tirar as telhas. A casa ficará ao relento. Depois será a vez das paredes. Esse é o momento mais patético. A gente vai passando pela rua e dá com duas ou três paredes soltas no espaço. Se a lua é vista através de uma ex-janela, achamos bonito. Se não existe lua, achamos apenas melancólico. Chegará enfim um dia em que não haverá pedra sobre pedra. A casa desapareceu. Para onde a levaram? Não sei. Talvez a tenham lançado ao mar como o piano de Aníbal Machado, talvez tenham vendido seus despojos. Em Maracanã estará o banheiro; três das janelas azuis estão em Santa Teresa; um vaso de samambaias, furtado durante a noite, enfeita um barracão no morro do Cantagalo. A triste verdade é que não existe mais a casa, apenas um monturo. Durante alguns dias, nós a veremos de olhos fechados com seus pés de acácia espanhola. Falaremos mal dos homens que a derrubaram, faremos prognósticos assustadores sobre o futuro de Copacabana. Aos poucos, porém, a morta será esquecida. No lugar dela se levantará um edifício de doze andares. Tínhamos naquele local uns sete ou oito vizinhos. Interessavam-se pelas nossas vidas, vigiavam nossos passos, faziam suposições terríveis sobre a espécie de gente que éramos. Daqui a algum tempo, com quatro apartamentos por andar e mais ou menos cinco pessoas para cada um, teremos 240 vizinhos. Entretanto, serão frios e polidos; pior do que isso, indiferentes. Não se incomodarão conosco. Nenhum deles procurará saber quem somos e de que maneira gastamos a existência. Quando muito, ao passar pela nossa casa uma senhora suspirará com o marido como é ruim morar em apartamento e dirá que nós, sim, somos felizes. Não sei bem por que motivo, talvez porque se absorvam muito entre si, os moradores de um edifício deixam de espionar e comentar os vizinhos de outras casas. Bastam-se a si mesmos; ficaremos esquecidos, meio despeitados.
A rua se animará um pouco. Com oito vizinhos apenas, daquela esquina não esperávamos grandes novidades. Quando o prédio estiver habitado, teremos muitos batizados, casamentos e algumas mortes. A rua vai ficar mais viva. Não é absurdo imaginar que uma senhorita de rara beleza se precipite do décimo segundo andar ao solo. A altitude costuma dar dessas vertigens emocionais.
Se ela morasse numa casa baixa na certa refletiria melhor e acabaria por gostar da vida. Quando estivesse muito melancólica, daria uma volta pelo quintal, deitaria no chão duro e chorava. Deitar na terra alivia os desesperados. No alto, porém, os pensamentos são vagos e é enorme a tentação para quem sofre.
Espio pela janela e vejo que a casa está acabando a olhos vistos. Fizeram grandes progressos. O construtor descansa à sombra de uma árvore, fumando. Para ele tanto faz construir ou destruir. Mas posso dizer, com minha experiência pessoal, que o pior de tudo é reformar. Cresci e morei numa casa por mais de quinze anos. Tendo ido uma vez à minha terra, disseram-me que estavam reformando a nossa casa. Fui vê-la. Já estava em adiantado estado de decomposição. Não era a minha casa. Era um fantasma.