Não utilize o suicídio. Use o álcool. Leia ou não leia as crônicas do sr. Luís Jardim, mas use o álcool. Matar-se é por demais rigoroso. Beba. Beba sempre que puder. Nem um só dia sem álcool. O mundo não é triste nem alegre, mas a qualquer hora do dia ou da noite, o senhor encontrará insofismáveis razões para beber. Que a constituição assegure o direito ao álcool que os poderes da república erijam o bar em instituição nacional. Álcool a preços módicos, abundante, para todo mundo. Embriague-se pelos menores motivos, embriague-se sem motivo algum porque afinal é por demais melancólico não se ter razão alguma para tomar pileque.

Se o senhor alimenta algum complexo de inferioridade, beba. Se o senhor é triste de natureza, beba ao morrer do dia, que o crepúsculo sempre foi a hora mais difícil para as índoles oprimidas. Caso o senhor seja feito de irremediável feiura, beba de meia em meia hora um cálice de cachaça. A cachaça vai bem com as pessoas feias e hão de achar que o senhor é terrível. Se o senhor é um artista fracassado, torne-se um ébrio, frequente os botequins abertos a noite inteira, espalhe contando a toda parte os versos que não fez, a melodia divina que ficou na sua cabeça, as cores e as formas maravilhosas que não se resolveram na tela.

Não se mate: beba. Li-Tai-Po, um lírico chinês de milhares de anos, quis uma noite colher a lua de um lago e morreu bêbado nas águas mansas. Tenha paciência. O poeta Hafiz bebeu shiraz a vida toda e a gente faz dele uma ideia feliz. Não se mate. Aproveite o tempo bebendo, continue a viver, bebendo. Às vezes, um único coquetel resolve. Experimente, embebede-se um pouco, não desista.

Se os domingos o aborrecem, sente se à mesa de um bar, gaste em uísque o dinheiro do aluguel. Se o senhor é rico e o spleen da alta sociedade começa a roubar-lhe o encanto, procure um boteco humilde, beba com os operários e os malandros, aprenda a conversar com eles, a discutir com eles, a trocar navalhadas quando a lua vai alta.

Se o senhor é tímido, faça ponto obrigatório num bar central, e daí parta para cavalgadas heroicas, provoque distúrbios, enfrente a polícia, faça comícios no coração da cidade, exponha-se diariamente numa sarjeta à visitação pública. Se o senhor cometeu homicídio, embriague-se. Se o mar lhe traz a ideia insatisfeita do infinito, embriague-se a valer. Se o senhor espera em Deus, espere bêbado. Se o senhor não crê na imortalidade da alma, e isso o assusta, durma sempre bêbado, espante a morte de seus pensamentos, mergulhe-se num sono espesso sem remorso.

Se a bebida prejudicar-lhe o trabalho, atenda ao senso-comum. Se o senhor perdeu as eleições, beba. Se o senhor é prático de farmácia e se realmente (como dizem) é muito triste ser prático de farmácia, beba vinho, arme-se de vinho para a mágoa do cotidiano.

No capítulo das mulheres beba sistemática e pateticamente. Se as mulheres o iludem, beba. Se as mulheres o desprezam, beba. Se elas o amam, beba também, porque amanhã pode ser que elas venham a enganá-lo. Embriague-se pelas louras e pelas morenas. Não se mate de amor: beba de amor.

paulo-mendes-campos
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