A primeira vez que vi o mar, fiquei besta. Quando o táxi que me levava a Botafogo entrou na avenida Beira-Mar, meus olhos de treze anos quase choraram, esse quase-lágrimas que é uma das mais deslumbrantes e plenas sensações de viver.

Prendi-me, desde então, à baía de Guanabara. A caminho do trabalho, ou a caminho de casa, ponho meus olhos no mar e deixo que suas imaginações palpitem em mim. Uma vez, há uns três anos, em uma tarde úmida, aconteceu o milagre. Eu vinha em um lotação e olhava o mar, quando surgiu das águas um estranho animal, enorme, muito maior do que poderia ser uma arraia ou um boto, deu um salto e voltou às profundezas. Mas isso eu conto com reservas, por medo de passar por mentiroso. Somente eu notei o grande acontecimento, que era uma espécie de paga do carinho com que olhava sempre aquele pedaço de oceano, uma paga também da ansiedade com que, do tombadilho de um navio, em quatorze dias de viagem, esperei em vão que surgisse em alto-mar um monstro marinho. Por que não dizer logo? Sempre guardei no coração a incorruptível esperança de ver uma baleia. Já vi, sim, perto das Cagarras, um tubarão repousando, solene, à superfície da água.

Não perdi de todo os confusos e absurdos pensamentos que me vieram em meus primeiros dias de contato com o mar. A minha impressão é de que aquilo ― o mar ― era um engano da natureza, era uma coisa boa e bela demais, um excesso de perfeições e grandezas. Morar perto do mar, vê-lo a todo momento que nos desse vontade disso, senti-lo, era um privilégio, uma dádiva que não merecíamos. Espantava-me que as pessoas em torno se preocupassem muito com outros assuntos que não fossem o mar. Doía-me, como ingratidão feita a mim, que o mar ocupasse tão pouco tempo na conversa dos outros. Quando alguém, por acaso, se referia à sua beleza, eu me sentia mais ou menos citado nessa referência e agradecido a quem a fizesse. Eu e o mar, profundamente sensibilizados, agradecemos ― era o que eu tinha ímpeto de dizer. Mas não dizia. Incorporei mais esse segredo à minha vida, entre os meus deslumbramentos, os meus amores, os instantes em que surpreendi o misterioso coração do mundo. Um mundo de usuras e mesquinharias, em que o mar, o mar mais belo do que catedrais, como disse o poeta, é o maior espetáculo a que podemos assistir, e de graça.

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